A Criança (2022)

de Margarida Nabais

A Criança (L’enfant), primeira longa-metragem da dupla Marguerite de Hillerin e Félix Dutilloy-Liégeois, foi selecionado para ser um dos 14 filmes da Tiger Competition, na recentemente terminada 51ª edição do Festival Internacional de Cinema de Roterdão. Em Portugal, esta produção luso-francesa de Paulo Branco tem a sua estreia nas salas portuguesas a 10 de fevereiro de 2022.

Apresentando-se como uma leve adaptação de Der Findling (1811), conto alemão do escritor Heinrich von Kleist, conta a história de Bela (João Arrais), um jovem português adotado em criança por um casal de abastados comerciantes. Independentemente da sua gratidão e apreço pelos pais e por Jacques (Loïc Corbery), amigo e colaborador que vive com a família, procura fugir para longe com o seu grande amor, Rosa (Inês Pires Tavares). Contudo, uma teia de eventos e emoções sem precedentes é inevitavelmente tecida, lançando sobre as personagens uma sombra de desastre.

Passado em meados do século XVI, pouco antes do nascimento incerto de D. Sebastião, o espaço temporal do filme é tão importante quanto o seu espaço físico. Embora sofra uma certa miopia geracional, que se sente para o bem e para o mal, é-nos propositadamente apontada uma era de poder português que estava prestes a atingir o seu clímax e, consequentemente, o seu progressivo e gradual declínio. O espectador é, assim, catapultado para um autêntico purgatório que reside algures entre o início e o fim de algo, num ambiente único, em que ambos os fenómenos conseguem coexistir. 

Que melhor cenário, então, que a natureza? As personagens encontram-se num lugar indefinido, que não se sabe bem onde é, mas apenas quando o é. Neste contexto, as imagens prediletas revelam-se, na verdade, em qualquer elemento orgânico do mundo. Na floresta, no mar, na relva, no céu e, por fim, nas caras dos atores, nos close-ups que expõem, mesmo que indefinidamente, a tensão por trás de meras palavras. 

Criando uma linha conceptual entre este tempo-sem-tempo e lugar-sem-lugar, chegamos a uma universalidade que toca particularmente os membros da família protagonista, e a sua derradeira falta de orientação e de presente. Personagens de tal maneira assombradas pelos fantasmas do passado, ou perseguidas pelas possibilidades do futuro, que o que mais prevalece no atual fílmico é, assim, a ambiguidade. Por entre este nevoeiro narrativo, é difícil definir algo como concreto. 

Na morosidade do seu ritmo, na imobilidade da câmara, vemos e sentimos claramente a sombra do destino. No entanto, o seu efeito é surpreendentemente apaziguador, como se estivéssemos a ver uma tempestade a chegar e, impotentes perante a sua iminência, limitamo-nos a observá-la. Este é um testamento, acima de tudo, à beleza do filme e à sua estética calmante, muito assente no que é inevitável e natural, elemento central para a fotografia e o som.

Neste sentido, o melhor da obra está mesmo naquilo que não se pode definir, na atmosfera criada e na sua promessa edipiana, e não tanto no que nos é apresentado de forma concreta. Aqui, acaba por ser um pouco rígido e estéril, tentando tornar tudo num discurso que por si, só lhe falta um pouco de coração para o tornar permanente no espectador. Vamos sucessivamente descascando as camadas dos problemas que nos são apresentados imediatamente, mas não chegamos propriamente a nenhum fruto, a esse centro que parecia, à partida, ser tão fértil. Por isto, reside num limbo indeciso entre a simplicidade e a ambição, não desprovido de valor, mas sem chegar a uma harmonia geral propriamente dita. Assim, A Criança acaba por espelhar a época portuguesa em questão, com um clímax crescente e efémero, que eventualmente conduz à sua derrocada. 

3/5
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