Escape from New York (1981)

de Francisca Tinoco

Escape From New York é um dos filmes mais cotados de John Carpenter. Produzido e estreado depois do sucesso de The Fog (1980), este filme de ação e ficção científica é protagonizado por Kurt Russell no papel do instantaneamente memorável Snake Plissken, um ex-membro das Forças Especiais que se virou para o mundo do crime e a quem é dada uma oportunidade de indulto.

O cenário é uma Manhattan do futuro próximo – que para o público da altura era 1997 – transformada numa prisão de máxima segurança depois do crime nos Estados Unidos ter registado um aumento de 400% no final dos anos 80. Consequentemente, a ilha foi cercada por muros altos e as pontes foram minadas para impedir os prisioneiros de escapar.

Plissken estava a caminho desta prisão urbana quando o avião do Presidente (Donald Pleasence) é sequestrado e despenhado contra os edifícios da mesma. Depois de todas as tentativas de resgate falharem, o chefe de segurança da prisão, interpretado pela antiga estrela dos Spaghetti Westerns Lee Van Cleef, propõe ao ex-militar que resgate o Presidente a troco da sua liberdade. Para garantir a sua lealdade, injetam-no com explosivos temporizados que serão desativados caso garanta a segurança do seu alvo em pouco menos de 24 horas.

Após aterrar no topo do World Trade Center (quaisquer parecenças com o 11 de setembro são puramente coincidências), Plissken mergulha no mundo sem-lei daquela ilha renegada que existe, neste filme de Carpenter, como uma representação muito concreta das subsecções sociais esquecidas e ignoradas pelo mundo. Lá dentro, forma-se uma organização própria, e os habitantes mais antigos movem-se pelas ruas como peixes dentro de água, navegando as ameaças e os jogos de poder com mestria. Plissken, pelo contrário, desconhecendo as regras, acaba em posições e situações perigosas, revelando os cantos mais sombrios e perturbadores de uma sociedade anárquica.

A construção da narrativa em redor do ponto de vista do seu protagonista, assim como a utilização de um limite de tempo muito bem definido, cria, no filme, uma estrutura que remonta aos vídeo jogos. Missão a missão, Plissken vai conquistando terreno, falhando ocasionalmente e aumentando a pressão, intensidade e adrenalina da história. Escape from New York é um exemplo perfeito do uso deste tipo de narrativa linear e do dispositivo da deadline para construir uma história que prende o espectador.

As personagens que Plissken vai conhecendo ao longo desta noite, adicionam cor ao mundo escuro idealizado por Carpenter. Pessoas que aprenderam a sobreviver sempre a olhar por cima do ombro e alimentando alianças interesseiras e que, por uma razão ou outra, decidem ou ajudar, ou dificultar o objetivo do protagonista. Ainda assim, Plissken não é inteiramente estranho por aquelas bandas. Quase toda a gente com quem se cruza já ouviu falar dele e todos estavam convencidos de que estava morto, ao que ele a dada altura responde “E estou.”

O Plissken de Kurt Russell é um anti-herói de poucas palavras, concentrado na sua missão, que procura sempre desafiar, examinar, e desconfiar da autoridade. Aqueles que lhe dão a sua missão e que representam a sociedade civilizada são intencionalmente caracterizados como sendo tão ou mais corruptos que os criminosos que o protagonista enfrenta quando se aventura por Manhattan. A figura do Presidente, em especial, é boba, inútil, mentirosa, e de ego frágil.

Apesar de toda a gente no filme ser moralmente questionável, a figura de Plissken, assim como pequenos momentos de entreajuda dentro da prisão, dão a Escape from New York uma fraca luz de esperança ao fundo do complicado túnel que é a condição humana, impedindo o filme de Carpenter de enveredar pelo caminho do completo niilismo.

Esta forte temática social, aliada ao mundo visual e sonoro techno-punk que Carpenter e a sua equipa criam, resultam num filme que para além de envolvente é, também, incrivelmente cool. Desde o guarda-roupa, passando pela cenografia, os efeitos visuais, e culminando na direção de fotografia e numa trilha sonora inesquecível, Escape from New York é construído com uma atenção maravilhosa ao detalhe e à estética.

Um mundo rico, insidioso, e estiloso com uma mensagem social forte e cheia de nuance, liderado pelo anti-herói de ação de Kurt Russell, num dos papéis mais marcantes da sua carreira – Escape from New York é um Carpenter a não perder.

4/5
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