“Um pour tous, tous pour un”.
O romance histórico Les Trois Mousquetaires (Os Três Mosqueteiros), de Alexandre Dumas, foi lançado a meio do século XIX, mais precisamente em 1844. Desde logo entrou no panteão dos livros mais reconhecidos de sempre, primeiro em França e depois no mundo inteiro. Foram já muitas as adaptações da obra, tanto no formato de série, de animação e várias longas-metragens, na sua grande parte produzidas em língua inglesa e quase todas vindas de Hollywood. Contam-se pelos dedos produções de outros países, maioritariamente vindas de França, mas delas não reza a história. A mais icónica versão acaba por ser a série de animação de produção japonesa e espanhola, D’Artacan y los Tres Mosqueperros (1981-1982) que, nos anos ’80 e ’90, animou as manhãs de milhões de crianças por todo o lado.
No ano de 2023 estreou uma nova adaptação em língua francesa sobre o livro de Alexandre Dumas, de nome Les Trois Mousquetaires: D’Artagnan (2023), e Les Trois Mousquetaires: Milady é a segunda parte da versão cinematográfica de Martin Bourboulon, que inicia exactamente onde o anterior terminou. Com um pequeno resumo antes do início do filme é possível, para quem não viu a primeira parte, de acompanhar a história que segue as aventuras dos quatro mosqueteiros Athos (Vincent Cassel), Porthos (Pio Marmaï), Aramis (Romain Duris) e D’Artagnan (François Civil), protectores do rei e inimigos mortais do Cardeal Richelieu (Eric Ruf). Este contrata os serviços de Milady (Eva Green) para vincar, ainda mais, a sua relevância na corte do Rei XIII.
Como já se tinha visto na primeira parte desta nova versão, a sua maior vitória é o facto de jogar com as expectativas do que se conhece de anteriores versões da obra e subverte-las com twists inesperados, e nesta segunda parte toma ainda mais liberdades. Os riscos narrativos e os momentos mais dramáticos demonstram uma maior coragem, na progressão narrativa, mas acaba incapaz de se libertar das amarras impostas pelo romance de Dumas. Este ambiente criado de intriga e de ansiedade constante é fruto da espia Milady. É a personagem mais marcante e é bem apoiada por um elenco carregado de talento, do melhor que França alguma vez juntou numa grande produção. Os destaques são óbvios, nesta segunda parte, com Lyna Khoudri, no papel de Constance, Vincent Cassel como Athos e Eric Ruf no papel do Cardeal Richelieu. Outros demonstram grande talento mas surgem mal aproveitados como Romain Duris, no papel de Aramis, Vicki Krieps e Louis Garrel, como a rainha e rei de França, respectivamente, e que mal têm oportunidade de marcar presença. O talento nem sempre se converte em boas personagens e por isso também existem algumas desilusões. Como por exemplo Pio Marmaï, no papel de Porthos, o bobo da corte – unidimensional e usado como punchline ambulante; Jacob Fortune Lloyd, como Duque de Buckingham, o playboy sem pinga de magnetismo; e François Civil, como D’Artagnan, com tempo e atenção do argumento suficientes mas sem conseguir competir, na intensidade e carisma, com Eva Green, na partilha do papel principal. Apesar de algumas desilusões, no geral, “a realeza” da interpretação em língua francesa permite transformar alguns diálogos sofríveis em algo capaz de manter minimamente o interesse do espectador, mas o sentimento de faltar algo que o destaque nunca nos abandona.
Em termos de valores de produção é inegável o investimento e o cuidado nas várias áreas desta obra. Desde a banda-sonora competente de Guillaume Roussel, os efeitos especiais e o design de som nada ficam a dever às grandes produções americanas (a uma fracção do preço obviamente) e uma boa recriação histórica do período final da monarquia francesa, fruto da direcção de arte de Patrick Schmitt e Emmanuel Delis. Há, no entanto, um claro decréscimo de qualidade nesta segunda parte pois a maior parte da acção passa-se em exteriores e na natureza, ao invés dos interiores palacianos e corredores da corte francesa que dominam o filme anterior. Essa diferença de qualidade é também visível na direcção de fotografia de Nicolas Bolduc, bastante inferior e muitas vezes mal iluminada principalmente em ambientes exteriores noturnos. O maior problema acaba mesmo por ser a edição, que nas sequências de acção é particularmente difícil de suportar, tal é a velocidade de sucessão de planos e a caótica movimentação da câmara, tornando-a pouco clara e não deixando apreciar o excelente trabalho dos duplos.
Apesar da coragem em subverter e reinventar alguns momentos do romance histórico que o originou e de Eva Green como Milady, Les Trois Mousquetaires: Milady de Martin Bourboulon dá um passo maior que a perna e acaba por cair nas mesmas armadilhas de todas as anteriores versões made in Hollywood. Ainda não foi desta que foi feita justiça ao romance de Alexandre Dumas.