Spider-Man: No Way Home (2021)

de Rúben Faria

AVISO: esta crítica NÃO TEM SPOILERS, vai apenas abordar o que é mencionado no marketing do filme (trailers, posters, tv spots, entrevistas, etc).

O potencial quase atingido

Apesar do sucesso desta incarnação de um dos super-heróis mais icónicos e adorados de sempre, e a sua inclusão no Universo Cinemático da Marvel, sendo um fã vitalício do Aranhiço, nunca senti que esta versão atingia os parâmetros que fazem do mesmo uma das personagens de pop culture mais interessantes a nível emocional.

As melhores histórias do Cabeça de Teia sempre foram caracterizadas por serem leves e coloridas, com muito humor, ação e espetáculo, mas o que faz dele um protagonista memorável é o nível emocional e as dificuldades reais que enfrenta. Os filmes realizados por Jon Watts contêm muita energia e humor millennial, mas pecam por não apresentar riscos reais e palpáveis às suas personagens. Finalmente, neste caso, as coisas são diferentes.

Esta nova aventura começa mesmo onde o último filme, Spider-Man: Far From Home (2019), terminou. Peter Parker (Tom Holland) vê a sua identidade – já não muito secreta – ser revelada ao mundo e é acusado de homicídio. Com a sua vida virada do avesso, pede ajuda a Doctor Strange (Benedict Cumberbatch) para que este apague a memória do mundo inteiro. Claro que as coisas correm para o torto e o multiverso é enfiado ao barulho, o que leva Peter a ter de enfrentar vilões de outras terras e outros tempos: Doc Ock (Alfred Molina), Green Goblin (Willem Dafoe), Electro (Jamie Foxx), Sandman (Thomas Haden Church) e The Lizard (Rhys Ifans). O mais impressionante é que as versões destes maus-da-fita são as mesmas das antigas sagas do Homem-Aranha.

Claro está que, com isto, vem o medo de apenas nos darem fan service para puxar os cordelinhos da nostalgia e garantir lugares preenchidos nas salas de cinema. Esse objetivo é mais que cumprido, porque rever as caras de Alfred Molina e Willem Dafoe a regressarem aos seus icónicos papéis é algo que faz a nossa criança interior saltar de alegria. No entanto, a melhor das notícias é que este fan service é muito bem feito e contextualizado na narrativa, até mesmo a nível emocional. Estes vilões clássicos não fazem apenas um cameo com meia dúzia de falas e uma cena de pancadaria, mas são munidos de uma camada emocional que se encaixa na história, cada um com o seu enredo que remete aos seus filmes anteriores. Este respeito pelos personagens é muito bem-vindo, se bem que uns recebem mais atenção do que outros, como é de esperar. Infelizmente, todas estas personagens perdem alguma da sua essência ao serem forçadas a mergulhar no humor cringe da Marvel, sendo Green Goblin aquele que mais consegue escapar e manter a sua personalidade intacta.

Este humor forçado, que infelizmente já se espera dos filmes deste universo da Marvel, é demasiado enfiado à força em todas as interações das personagens e, para piorar a coisa, é muito pobre e sem um valor cómico real, à exceção de uma mão cheia de piadas que até são bem construídas. Em geral os diálogos e as frases que saem da boca das personagens roçam o medíocre, o que leva a parecer que, por vezes, foram escritos por uma criança. Ironicamente funcionam melhor quando o filme se permite a ser mais melodramático, sem medo de deixar as personagens expressarem os seus sentimentos e até se aproximarem do “piroso”. O ponto mais forte deste guião é a sua estrutura e criação de situações e obstáculos ao protagonista e a quem o acompanha. É uma história que, apesar de todo o espetáculo que a rodeia, esforça-se para dar tempo a Peter para que consiga enfrentar e resolver os seus problemas, bem como lidar com as consequências das suas decisões.

Nesta linha, o próprio Tom Holland entrega a sua melhor performance como o Aranhiço, extraindo ao máximo o alcance emocional que o guião lhe oferece, desde o lado mais cómico e juvenil, ao lado mais sério e maduro. Juntamente com o ator principal, os seus colegas secundários também enfrentam o desafio: Zendaya consegue finalmente ter mais espaço para brilhar e aprofundar a sua personagem de MJ, bem como a sua relação com Peter; Jacob Batalon brinca com mais emoções do que ser apenas o amigo cómico; Alfred Molina, Willem Dafoe, Jamie Foxx, Thomas Haden Church e Rhys Ifans fazem justiça às suas incarnações, mesmo lutando contra o surto de humor que os descaracteriza, com destaque para Dafoe, que é sempre um mimo ver a atuar.

A fotografia do filme começa por ser muito básica e desprovida de personalidade na primeira metade, mantendo-se no que Jon Watts apresentou nos filmes anteriores, mas na segunda metade ganha o seu vigor e faz justiça à história mais emocional, trabalhando com mais intimidade para com as personagens e permitindo aos atores deixarem os sentimentos fluírem para o espectador. É notória uma inspiração no que Sam Raimi e Mark Webb fizeram com os seus diretores de fotografia nas franquias anteriores do “Spidey.” Num outro ponto, o CGI e os VFX são horríveis. Estão ao mesmo nível (senão pior) que os de Spider-Man 2 de 2004. É surpreendente como é que um filme financiado pela maior companhia do mundo, com tantos anos de evolução de tecnologia, consegue falhar tão redondamente neste campo técnico.

Em suma, este filme pode ser quase dividido em duas partes: uma primeira metade onde existe todo o ADN do Universo da Marvel e do que Jon Watts oferece, com o humor forçado, o ambiente energético e a história genérica; e uma segunda parte, onde a liberdade é imposta e todo o filme tem permissão para respirar e esticar os músculos emocionais, com um ambiente mais consequente e adulto, sem perder o seu carisma juvenil. Este novo capítulo protagonizado por Tom Holland é, sem sombra de dúvida, o melhor da sua estadia neste universo partilhado. Apresenta-se mais negro, mais maduro e sem medo de fazer o seu herói enfrentar as consequências dos seus atos.

É palpável a coragem que a Marvel finalmente teve em deixar o “Spidey” mostrar o seu caracter bondoso face às situações mais duras, mesmo escolhendo o caminho mais difícil, fazendo-o correr em direção ao herói independente e inspirador que é. Podemos por fim, ver esta incarnação tornar-se o “Homem”-Aranha, e deixar de ser o miúdo que corria atrás dos Vingadores. Para os fãs, não nos espera o melhor filme de sempre do herói, mas ao menos espera-nos um filme merecedor da nossa atenção e devoção à personagem.

3.5/5
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2 comentários

Deadpool & Wolverine (2024) - Fio Condutor 24 de Julho, 2024 - 19:33

[…] uns tempos vão, muito provavelmente, ser ainda mais berrantes (o redator a olhar intensamente para Spider-Man: No Way Home (2021)). Mas é um filme que não procura ser mais do que o que é, tanto emocionalmente como no espectro […]

Juliana Batalha 4 de Julho, 2022 - 14:08

Gostei tanto deste movie! E adorei a review!

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