CODA é um remake americano da longa-metragem francesa La Famille Bélier (2014), acerca de uma jovem adolescente, filha de pais surdos, que descobre o seu talento para a música. O título inglês funciona, simultaneamente, como uma referência à sigla de Child of Deaf Adults e como a passagem final numa composição musical; uma escolha inteligente e simbólica para esta narrativa que promete transformar a comédia teen original num ambicioso drama. Habitualmente, reservo a descrição do enredo para um segundo parágrafo, após um texto que procura estabelecer o tom do filme criticado e oferecer um contexto essencial para os sentimentos pessoais experienciados na visualização desta história. Consequentemente, esta crítica é introduzida com a menção da aspiração dum remake perseguido pela versão original.
Ruby Rossi (Emilia Jones) é uma jovem que balança uma vida de trabalho com o seu pai Frank (Troy Kotsur) e irmão Leo (Daniel Durant), numa traineira de pesca, e a típica rotina de uma adolescente no secundário. Encurralada entre seguir o seu sonho de cantar até à faculdade, e entre as dificuldades financeiras dos seus pais, Ruby sente a responsabilidade de permanecer em casa a forjar uma ponte de comunicação entre a sua família com um mundo que se recusa a aprender língua gestual, ainda que esta decisão implique o fim de um futuro independente.
Elaborar uma critica a um remake exige um esforço único para manter uma opinião individual e contida para com a nova versão, independentemente da história original, devido ao inevitável instinto de criar uma comparação entre ambas. Removendo essa perspetiva, CODA é uma longa-metragem amável com uma realização sensível que enriquece o seu argumento através de um ambiente técnico subtil, e que combate a fórmula da sua estrutura previsível com o charme do seu elenco, uma narrativa emocional e o seu amplo significado e impacto além da sétima arte. Infelizmente, as comparações são impossíveis de evitar, e CODA não consegue abrir o seu próprio caminho, distante de La Famille Bélier. O potencial efeito metafórico para uma respeitosa homenagem ao original sobressai como uma desapontante reflexão da visão americana acerca de cinema internacional.
Sian Heder (realizadora e argumentista) sucede na direção de fotografia serena, na fundamental preocupação com a edição de som, e em certas alterações relevantes no seu argumento como o emprego desta família que reflete uma realidade americana repleta de atribulações legais para a comunidade surda e contrasta com o ligeiro exagero do original, e na personagem de Leo, irmão da protagonista, que recebe um boost dramático essencial para impedir a narrativa de atingir condescendência na sua representação de pessoas surdas; um aspeto acudido pelo casting inclusivo.
Eugenio Derbez, que interpreta o professor de Ruby, Bernardo Villalobos, é um dos componentes prejudicados pelas decisões acerca daquilo que se deve alterar/manter. A relação entre as duas personagens aparenta optar por uma direção curiosa e simbólica acerca de comunicação e linguagem até desaparecer por completo em apressadas montagens musicais. Um bom ator e comediante transforma-se, injustamente, numa vítima de comparação, miscast nesta recriação.
O restante elenco distingue-se nesta versão, exibindo uma química carinhosa que convence a audiência a ignorar a previsibilidade narrativa e a permanecer investida. Daniel Durant e Marlee Matlin (Jackie Rossi) são excelentes e roubam diversos momentos divertidos e emocionais nesta história, e apesar desta pertencer a Emilia Jones, a alma de CODA reside em Troy Kotsur e na sua elegante e carismática performance. Estes elementos são insuficientes para notabilizar uma longa-metragem que ignora a sua vantagem para corrigir prévios defeitos, repetindo erros semelhantes à La Famille Bélier, com resoluções simplificadas, que retiram a importância do conflito inicial, e com um argumento sem coragem para se aventurar em decisões arriscadas, aproximando-se excessivamente da película original, retirando cenas completas que ofuscam o valor emocional desta criação, e apegando-se a uma fórmula que apaga a sua ambição.
O cinema internacional combate constantemente pela atenção de audiências dominadas por Hollywood que ocupa, maioritariamente, este mercado. Remakes não implicam narrativas defeituosas; desde as origens da sétima arte que esta reinventa histórias idênticas com diferentes perspectivas atualizadas ou culturalmente diversificadas. O seu sufoco manifesta-se na inexistência da visão periférica cinemática dos Estados Unidos, onde somente a sua produção importa e legendas são apagadas. Uma recriação pode retirar extensas sequências da versão original e atingir semelhante ou superior nível de qualidade, contudo, é necessário uma visão distinta que mantenha a sua identidade relevante no escopo artístico. Scorsese reinventou, incrivelmente, o enredo de Infernal Affairs (2002) com uma perspetiva americana em The Departed (2006).
É crucial apontar que CODA tem uma identidade própria que justifica a sua existência e que La Famille Bélier (2014) não é um pedaço extraordinário de cinema, é uma simples comédia francesa com um excelente terceiro ato e intenções humildemente admiráveis. Simpatizo com Heder e compreendo a sua afeição a esta narrativa; respeito as suas adições que elevam a história e criam imagens memoráveis (incluindo o último frame) e acredito que a sua intenção distancia-se deste ângulo pessoal cínico. Existe uma base interessante para expandir, retida pela sua estrutura comercial, que a condensa a um crowdpleaser inofensivo e agradável, recordando uma penosa realidade acerca de remakes americanos de filmes internacionais. A história só importa quando está situada nos Estados Unidos.
1 comentário
Totalmente de acordo Iria 👏🏻