What Jennifer Did (2024)

de Antony Sousa

A Netflix tem um fraquinho por homicídios e assassinos, e What Jennifer Did foi (see what I did there) aumentar o leque de documentários dentro do género do crime macabro e chocante. Por vezes, quanto mais insistimos num tópico mais banais se tornam histórias outrora consideradas surpreendentes e únicas. Infelizmente ou felizmente, dependendo do ponto por onde se pega nesta análise, os seres humanos já provaram há muito tempo que têm mais em comum entre si do que aquilo que os separa (já cantava alguém). Isso faz com que, apesar de grotescos certos actos, não seja assim tão impensável que eles tenham sido cometidos, porque o acesso que temos a informação hoje em dia é tremendo, não havendo quase espaço para desconhecermos a natureza humana na sua pior versão. Numa realidade e sociedade que nos transporta cada vez mais para quem e o que faz mais barulho, provoca maior confusão, maior controvérsia, ser o mais falado, bem ou mal não importa, banalizou-se o que noutros tempos seria tema de conversa por semanas.

Neste caso, acompanhamos o assassinato e tentativa de assassinato à mão armada de um casal originário do Vietname já instalado no Canadá há uns bons anos, e todo o processo de entrevistas de investigação a Jennifer, filha única desse mesmo casal. Aparentemente era uma família discreta, sem razões para alimentar ódios ou possíveis retaliações, sem ostentar riqueza financeira. Então a pergunta afixa-se nas nossas mentes: Por que razão haveria alguém de cometer homicídio sem um motivo evidente?

Canadá é tido como um país bastante simpático e tudo menos conflituoso, porém é o 7º país do mundo com maior número de serial killers, com 125, o que não é propriamente do que trata o filme, mas é uma curiosidade interessante sobre aparências que enganam, tal como nesta história em particular. Confesso que independentemente do que referi acima acerca da frequência com que ouvimos situações destas nos dias que correm, há uma parte de mim que se arrepia e sente confusa quando assiste a algo deste género. Entre patologias mentais, influência do que nos rodeia, do ambiente em que crescemos, e vários outros factores que podem moldar os nossos comportamentos ou ajudar a chegar à origem de determinadas atitudes, é sempre difícil de conceber até que ponto a infelicidade e revolta alimentadas diariamente podem levar uma pessoa a destruir a vida de outros e consequentemente a sua.

Há um mérito inegável em contar uma história, que pode ser contada numa reportagem de 5 minutos no telejornal, num formato de suspense na Netflix, com uma hora e meia composta maioritariamente por imagens reais das entrevistas pós-crime e por depoimentos actuais de várias das pessoas envolvidas na investigação. Durante uma porção do filme de facto questionamo-nos o que terá realmente acontecido naquela noite numa pacata rua de Markham no Canadá. Que tipo de motivações estariam por detrás de um acto desta natureza? O que inclina o nosso interesse para o ecrã para sabermos mais. Até que se torna demasiado óbvio quem orquestrou o crime e se perde o factor surpresa que nos poderia prender mais aos acontecimentos. Passamos a levantar outro tipo de questões, não de natureza misteriosa, mas de natureza humana, sobre más influências, as consequências possíveis de uma educação hiper exigente, a solidão, falta de comunicação entre pessoas próximas, obsessão. No entanto fica no ar a sensação de que claramente se esticou ao máximo a pele desta história, ficando a marca de quem quis criar conteúdo de entretenimento até ao limite com pouco sustento narrativo para tal.

Sim, é interessante tentar interpretar se alguém está a mentir ou a dizer a verdade, procurar perceber as diferenças, escrutinar de fora, sem responsabilidades, quem será um lobo com pele de cordeiro. Conhecer algumas técnicas policiais e parte do trabalho de profissionais na luta contra o crime é também curioso, acrescenta riqueza e sumo para que o copo fique meio cheio no final das contas. Porém todos os prós desta produção juntos são insuficientes para considerarmos What Jennifer Did um copo largo todo preenchido por sumo natural criminoso, até atendendo à quantidade de alternativas neste género e neste tópico.

2.5/5
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