“Someone is trying to kill us. And we are trying to kill them.”
Recentemente algum executivo da A24 falou sobre o facto de esta produtora (tão bem apreciada pelo seu cinema de autor dentro de Hollywood) querer focar-se em filmes mais comerciais, com mais ação e espetáculo. Não querendo apontar que este filme que vou abordar seja mau, mas parece algum tipo de indício para esse caminho. Tem sabor a filme comercial que pensa um pouco. Tirem as vossas conclusões.
Nesta nova obra de Alex Garland, uns EUA divididos numa guerra distópica serve de mote principal para a jornada de um grupo de jornalistas de guerra que decide atravessar o país até à capital, na esperança de chegar à Casa Branca antes das forças rebeldes tomarem o local.
Este cenário deste país que já nos habituou a estar constantemente num estado de pré-ebulição dentro de si mesmo, não parece de todo rebuscado. E em comparação com outros cenários impostos em obras que demonstram uma América do Norte pós-apocalíptica, este é sem dúvida dos mais plausíveis. Uma premissa onde a sociedade (pelo menos a deles) colapsou com base em razões sociopolíticas ao invés de um vírus com zombies ou uma invasão alienígena, é por si só uma boa premissa e razão para contar a história, já para não falar que se torna automaticamente bem mais assustadora e possível de ser apelidada de terror.
Mas Civil War não é de todo um filme de terror, apesar de ter momentos bastante chocantes, ou que o procuram ser. Existem várias críticas e análises feitas à cultura norte-americana, às desavenças políticas, aos extremismos e tribalismos mediáticos e que culminam na exploração da condição humana aquando deparada com o modo sobrevivência. Toda a viagem do grupo serve para, paragem a paragem, interação a interação, ir demonstrando do que o ser humano é capaz, tanto para o bem como para o mal – se bem que mais inclinado para mostrar o podre.
Aqui jaz um dos pontos fracos do filme. Apresenta uma história e uma análise dessa história que já estão muito utilizadas no género pós-apocalíptico, como por exemplo em obras como The Last of Us (2023-). Impinge uma premissa interessante ao ser mais realista, mas não parece tirar um bom proveito dessa mesma premissa diferente e acaba por dizer o mesmo que todos os outros dizem. Faz a mesma coisa com as suas protagonistas serem fotojornalistas de guerra, o que leva a momentos muito bonitos através do ponto de vista da fotografia, do que elas vêm e usam na lente. É uma mecânica muito interessante e que traz uma frescura à abordagem para com o conflito, mas que também acaba por ficar aquém de uma exploração mais profunda e rica dessa mesma perspectiva.
Daqui a coisa que mais ganha vida é uma súbita ligação simbiótica entre os jornalistas de guerra e os militares. Vemos os nossos protagonistas, desarmados de forma letal, apenas de câmaras na mão e capacetes na cabeça. Permitidos, sabe-se lá porquê, a estar na frente de combate, tão perto de cada munição disparada e cadáver desfeito, como de captar aquela fotografia única. E nisto tudo os jornalistas mexem-se como os militares, movem-se com eles, apontam como eles, focam tal como eles e acabam por disparar muitas vezes até de forma mais certeira e com mais coragem do que eles.
Este grupo está muito bem representado por Kirsten Dunst como a veterana fotojornalista, onde demonstra que ela também é veterana a protagonizar filmes. A jovem e audaz aprendiz da mesma é entregue a Cailee Spaeny que demonstra um alcance incrível e uma excelente capacidade de ser o núcleo emocional do filme. Wagner Moura consegue fazer respirar todo o seu carisma numa personagem que o potencia e que se faz sentir necessária no meio do caos. Em geral todo o resto do elenco é sólido e diversificado nas suas entregas, acusando presenças momentâneas e específicas, em alguns casos parecendo quase cameos.
A parte que trai este elenco é o guião, em específico as falas. Vem ao de cima um leque de conversas e frases que as personagens dizem que se acusam como muito melodramáticas para o que o resto do filme apresenta. Quase como se as personagens estivessem a querer citar os maiores clichés de Hollywood sempre que se lembravam. Esta escrita vai contra um tom mais naturalista e meio rebelde que o filme aponta desde início. Tom esse que anda sempre a oscilar entre o negro e pesado – gráfico até – e o divertido, leve, com música groovy após um momento chocante. Como Civil War tenta ser dramático e levar-se a sério na sua maioria, por vezes essa mudança e imposição de uma leveza traz uma sensação de instabilidade inconsistente que não cai tão bem, talvez porque o argumento não se tenha solidificado ao não se explorar de forma mais profunda. Existe um reflexo disto no ponto de vista da história que por vezes parece ser esperançosa, mas por muitas outras parece inclinar-se no niilismo. Talvez esse fosse o objetivo e eu já esteja a exagerar.
Com isto pinta-se uma obra que é muito entertaining, com boas ideias e excelente trabalho demonstrado por toda a equipa. É também um filme com uma boa aposta em efeitos visuais duvidosos e uma boa quantidade de ação, o que é a parte mais estranha tendo em conta que vem de uma produtora tão fora da caixa como a A24. Não é de todo um filme mau, pelo contrário, mas também não se vai ficar na memória como uma obra única e diferenciada como tantas outras nos catálogos onde se insere.