Considerada por muitos como uma das melhores séries do ano, The Bear (2022-), criada por Christopher Storer, está finalmente disponível para ser vista em Portugal, através da plataforma de streaming Disney+.
O protagonista de The Bear, Jeremy Allen White, tem sido a principal carta de convite da série, graças ao seu trabalho na versão americana de Shameless (2011-2021), na qual interpretava a personagem de Lip Gallagher. No entanto – e sem querer descreditar o ator, que entrega talvez a melhor atuação da sua carreira nesta série – The Bear é muito mais que um cabeça de cartaz.
A premissa da série, distribuída pela FX e Hulu nos Estados Unidos, baseia-se num jovem chef da alta cozinha, Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White), que herda um restaurante estilo snack-bar do irmão, Michael “Mikey” Berzatto (Jon Bernthal) após o seu suicídio.
A série entra em ação quando Carmy decide aceitar o desafio deixado pelo seu irmão e assumir a chefia deste “The Original Beef of Chicagoland” – um restaurante degradado e antiquado, que não tem nem um grama do requinte a que o chef está habituado. Rapidamente, a série demonstra que o restaurante (e as dores de cabeça a que este obriga) é apenas uma gigante paráfrase do processo de luto de perder um irmão.
The Bear começa, e permanece, forte, errática, e nervosa, não fosse a família Berzatto uma típica família ítalo-americana, cujo estereótipo de barulhentos e agressivos aqui se perpetua. Apesar da personagem praticamente não aparecer em tela, a morte de Mikey paira no ar como um gás inflamável que só precisa de uma pequena chama para explodir durante toda a duração da temporada. É o conflito interno tanto das personagens, como do próprio restaurante, que acaba por ganhar uma vida própria com os seus encantos, segredos e, acima de tudo, doenças.
Esta tensão nunca realmente se resolve até ao último episódio. A equipa do “The Beef” vai dando passos em frente, apenas para recuar de novo, acompanhando de certa forma o estado psicológico de Carmy que, para poder superar a perda de Mikey, adere a um grupo de familiares de toxicodependentes.
Através dos trabalhadores do restaurante (Sydney, Tina, Marcus, Ebrahim, e Gary), assim como a irmã de Carmy e Mikey, Sugar (Abby Elliot), e o melhor amigo e parceiro de negócios de Mikey, Richie (Ebon Moss-Bachrach), The Bear constrói uma rede de personagens que, ainda que existindo claramente para ajudar ou complicar o progresso de Carmy, acabam por ganhar o seu próprio protagonismo, muito graças ao talento dos atores que as interpretam.
Em especial, é de destacar a performance de Ebon Moss-Bachrach como Richie – uma personagem que começa por ser detestável, mas acaba por registar o percurso mais interessante da série, enquanto lida também com a perda do melhor amigo, crises de identidade, e a sua complicada vida familiar. Moss-Bachrach é um verdadeiro scene-stealer e o perfeito contraponto para o Carmy de Allen White, criando, os dois, uma dinâmica estrondosa que funciona como o verdadeiro coração de The Bear.
Já Sydney, interpretada por Ayo Edebiri, faz o trajeto contrário, ao tornar-se cada vez mais desagradável ao longo da série, quase como se Richie, e o ambiente volátil do restaurante, estivessem a influenciá-la da pior forma. Muito do seu potencial fica subdesenvolvido, e a conclusão do seu arco nesta primeira temporada deixa muito a desejar.
Ainda assim, cada personagem, por muito secundária que seja, tem a sua própria jornada e apelo emocional, e é possível conhecer cada uma, mesmo que através de pequenos, mas significativos, momentos. É clara a paixão do criador Christopher Storer pelo seu guião e pela história que quer contar.
The Bear tem um tom muito próprio e marcante, e um nível de energia que seria impossível de manter, não fosse a sua escrita tão rigorosa e o seu elenco tão capaz. Os temas do luto e da superação emocional são elevados por uma mescla entre o hiper-realismo do ambiente sujo e caótico de um restaurante de bairro perto de falir, e o surrealismo do mundo subjetivo de Carmy, ao qual os espectadores têm acesso pontualmente através de sonhos e visões que nos permitem não só entender, como sentir na pele, as ansiedades e medos desta personagem.
E, para os amantes de cozinha, fica a ressalva de que, para todos os grandes planos da cozinha imunda, com comida caída no chão, há um igual número de imagens hipnotizantes de pratos verdadeiramente deliciosos.
Esta mestria cinemática atinge o seu auge no penúltimo episódio da temporada que recorre a um one shot take para representar a tal explosão que era ameaçada desde o início. Um mecanismo que não serve, aqui, só, de artimanha artística, mas que faz a audiência sentir a completa ausência de repouso de uma cozinha em ebulição. Se as personagens não têm tempo para respirar, porque é que o espectador haveria de ter?
Nos seus detalhes, The Bear é também uma carta de amor à cidade de Chicago (outro fator que partilha com Shameless, fazendo-o, no entanto, infinitamente melhor). Tanto na sua banda sonora, e nos apontamentos históricos em pano de fundo, como no próprio “The Original Beef of Chicagoland” que vende as típicas sandes de carne italianas, criadas pela diáspora italiana na “Windy City” dos anos 30, a série está permeada por uma aura nostálgica que celebra a cultura que a criou.
The Bear já foi renovada para uma segunda temporada. Algo que, graças à incrível qualidade desta série, deve ser celebrado. No entanto, fica o receio de que esta seja, na verdade, daquelas histórias que funcionam melhor quando circunscritas numa só temporada. Só o futuro dirá.