The Idol – 1ª Temporada (2023)

de Bruno Sant'Anna

Algumas produções conseguem despertar sentimentos tão negativos ao ponto de afetar os nossos critérios de análise. É como se uma pessoa, extremamente qualificada, perdesse uma oportunidade de emprego para um candidato totalmente inadequado pois dedicou a entrevista inteira a falar mal desta pessoa e não do seu próprio histórico profissional. Por isso, após um texto inicial para a reciclagem, cá estou eu a reescrever uma crítica sobre The Idol (2023) com mais calma e tranquilidade, a escolher mais argumentos e menos ofensas para descrever essa série de extremo mau gosto criada por Sam Levinson, de Euphoria (2019 -), e pelo músico Abel Tesfaye, mais conhecido pelo seu antigo nome artístico The Weeknd. Vamos respirar fundo e descobrir o porquê dessa produção ser a mais popular, no pior sentido de todos, de 2023.

A história sobre a popstar fictícia Jocelyn (Lily-Rose Depp) e o seu envolvimento “amoroso” com Tedros (Abel Tesfaye), líder de um culto bizarro, tinha tudo para ser um sucesso. As primeiras notícias sobre a produção a descreviam como um comentário satírico e dramático sobre os abusos que cantoras populares como Britney Spears, Selena Gomez e Demi Lovato sofreram nas mãos da indústria musical, dos seus familiares e dos seus cônjuges. Um conceito profundamente interessante e relevante. Originalmente, a responsável pela realização dos seis episódios da série era Amy Seimetz, de The Girlfriend Experience (2016 -), até ser despedida. 80% da primeira temporada estava pronta quando Tesfaye resolveu refutar a visão artística de Seimetz por trazer uma “perspectiva feminina” em excesso. E aqui, caros leitores, é quando tudo começou a falhar.

Por ser um dos produtores executivos, Abel Tesfaye conseguiu tirar Amy da série, e reescrever o argumento todo, com Levinson, que também assumiu a realização de todos os episódios, e organizou as novas filmagens para que o projeto ficasse como ele queria. As mudanças resultaram num atraso de mais de um semestre para a estreia desta série e a primeira temporada foi reduzida de seis para cinco episódios. Essas decisões também afetaram profundamente The Idol e deixaram cicatrizes visíveis no seu conteúdo.

A pressa em concluir a série prejudicou gravemente o argumento, que mais parece um monstro Frankenstein de géneros cinematográficos, só que com órgãos essenciais em falta. Nada combina com nada; existem falhas de lógica narrativa, despercebidas pelos realizadores, que afetam diretamente o desenvolvimento das personagens. Jocelyn tem uma mudança drástica de personalidade perto do final da série, mas soa tão falso pois nunca existe qualquer indicação de um caráter dúbio. Não se aplica só à protagonista: Tedros e as personagens secundárias tomam atitudes que não correspondem com o que foi estabelecido anteriormente às suas personalidades. Criar empatia perante estas é uma tarefa difícil para o espectador, visto que os seus comportamentos são incoerentes e inconstantes.

Devido ao argumento pobre, o objetivo de criar uma história com momentos propositadamente controversos para gerar críticas sociais fica perdido. Não é como nos filmes de John Waters, por exemplo, em que as personagens dizem coisas escabrosas, enquanto o público presencia cenas absurdas, para justamente refletir sobre como pessoas marginalizadas por uma sociedade heteronormativa e capitalista encontram na violência uma espécie de empoderamento. Aqui a crítica sai e a fetichização entra. Numa cena, a protagonista diz que se sente atraída por Tedros por causa do seu “estilo de violador” e, após todas as coisas absurdas que esse homem faz com ela, ainda recebe um arco de redenção. É revoltante.

Existem monólogos a argumentar que doenças mentais são sexys; piadas de extremo mau gosto envolvendo casos reais de pedofilia e um debate espantoso em que usam a morte do filho do cantor Robert Plant para concluir que experiências trágicas não são só necessárias como boas, pois elas resultam em música inesquecível. Há muitas cenas de sexo desnecessárias e todas envolvem a protagonista a sofrer diferentes níveis de agressão física e psicológica. É tudo tão vulgar e problemático que chega a ser nauseante, até porque esses momentos, combinados com a história fraquíssima, criam uma conclusão bizarra que a violência contra as mulheres é algo que elas mesmas procuram e gostam.

O elenco secundário é talentoso e carismático. Actores como Da’vine Joy Randolph, Troye Sivan e Rachel Sennott demonstram esforço para entregar personagens interessantes e amáveis, mas o argumento não ajuda. Como protagonista, a Lily-Rose Depp não tem qualidade de estrela nenhuma, um problema que piora ao longo dos episódios, com a sua personagem a ficar cada vez mais asquerosa, problemática e mal concebida. Mesmo com muito esforço, é difícil criar empatia por qualquer uma destas pessoas.

Abel Tesfaye é o principal problema deste projeto, juntamente com Sam Levinson. Se a história de Jocelyn e Tedros é a sua visão sobre “perspectiva masculina”, ambos carregam uma visão muito misógina sobre a vida. Isto sem sequer mencionar a romantização da violência contra as mulheres, nesta narrativa, e como elas servem apenas para ser os seus objetos sexuais. Levinson já demonstrava esse olhar fetichizado na série Euphoria, mas acredito que nessa obra existia uma equipa de realizadores e argumentistas para contornar os seus impulsos “masculinos”. E, ainda por cima, a performance de Tesfaye é algo risível de tão péssima. Quando aparece no ecrã, é para deixar o espectador desconfortável ou com sentimentos ainda piores.

The Idol não é uma experiência cinematográfica válida, nem digna de curiosidade. Mesmo para aqueles que gostam de assistir obras péssimas, pois são inofensivas e até involuntariamente engraçadas. Esta série é ofensiva, de um mau gosto extremo, e demonstra como pessoas com um olhar distorcido sobre a vida podem afetar diretamente o produto final do seu trabalho. Female Trouble (1974), de John Waters, é uma recomendação para quem quiser ter uma visão mais contracultura sobre estrelato e narcisismo. Até Sharpay’s Fabulous Adventure (2011) é uma melhor recomendação do que esta série.

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