Rabo de Peixe – 1ª Temporada (2023-)

de Sofia Alexandra Gomes

Rabo de Peixe, a nova série de produção portuguesa, dá-se na localidade açoriana Rabo de Peixe e retrata a vida pacata de Eduardo Melo (José Condessa), um jovem pescador, e dos seus melhores amigos… Até que uma tonelada de cocaína chega à costa e a vida pacata termina, iniciando um negócio de venda de droga. Contudo, terão de enfrentar a polícia e os donos dos estupefacientes no processo.

O enredo é baseado numa história verídica: a 6 de junho de 2001, a ilha de S. Miguel com pouco mais de sete mil habitantes, cuja maioria se dedicava à pesca e vivia na miséria, deparou-se com mais de 500kgs de droga ao largo das rochas na praia. Muitos aproveitaram para ganhar dinheiro fácil enquanto outros passaram mesmo para o consumo: lendas afirmam que a cocaína passou a ser utilizada como farinha para fritar o peixe e até misturada no café, como substituta do açúcar. Este episódio gerou uma onda de toxicodependência que teve repercussões até hoje: Rabo de Peixe é um dos concelhos em todo o continente europeu com maior taxa de toxicodependência.

Apesar da história fascinante, a série desaponta, dado que o guião nada tem de inovador, chegando até a ser repetitivo e maçador no modo como nos apresenta o enredo: os diálogos são demasiado simples. Para um grupo de jovens que rouba droga à máfia italiana o que há de desafiante é (mesmo) muito pouco, sendo que se reduz ao processo de criação dos esconderijos para colocar a droga de modo a fugir à polícia e às overdoses que pontualmente aparecem nos habitantes da ilha, exigindo que o grupo tenha mais zelo. Além disso, os papéis da dupla da máfia italiana, interpretados por Monti (Francesco Acquaroli) e Francesco Bonino (Marcantonio Del Carlo), são bastante fracos per si, isto é, as próprias representações dessas personagens no argumento e, por sua vez, isso reflete-se nas suas interpretações, pois não há muito a fazer quando o material a trabalhar é fraco.

O dramatismo da série é pobremente explorado, por isso o foco resume-se em explorar a narrativa apenas numa perspectiva de entreter o espectador, ou seja, Rabo de Peixe apresenta-nos um trabalho de mero entretenimento. Mesmo a própria pobreza em que os habitantes da ilha vivem, apesar de visível através dos cenários e do modo simples de vida que levam, carece de profundidade.

Os papéis de Arruda (Albano Jerónimo) e de Uncle Joe (Pepe Rapazote) são os únicos que prendem o espectador para continuar a ver a série, mas especialmente a personagem interpretada por Albano Jerónimo que nos seus laivos de malvadez e chalupice capta à atenção da audiência que fica colada ao ecrã. Aliás, esta personagem é a que dinamiza o elenco e atribui uma qualidade única à série. 

Há que destacar também a personagem Jeremias Melo (Adriano Carvalho), pai de Eduardo Melo, que é cuidado pelo filho devido à sua cegueira, que merece uma menção honrosa, bem como a estreia do humorista Salvador Martinha na ficção, que interpreta Francisco, e a excentricidade de Carlinhos (André Leitão), como personagem gay numa vila bastante conservadora e recôndita. Já José Condessa fica muito aquém do que seria expectável para um protagonista e a inspectora Paula (Maria João Bastos) também não cativam como personagens.

A série rapidamente alcançou sucesso nacional, não obstante, honestamente, tal não se deve à qualidade da série, visto que até mesmo a nível técnico, como a direção de fotografia, apesar de bem executada (valores de produção assim o exigiam), simplesmente não surpreende.  Existe também o problema das personagens viverem nos Açores, sem nunca terem saído da localidade, mas possuírem sotaque lisboeta, tornando a série pouco cativante e menos envolvente: a representação do carácter regional é praticamente inexistente. Aliás, os próprios Açorianos já criticaram esta falta de representatividade.

No fundo, ainda que o enredo de Rabo de Peixe não seja propriamente original, tinha algum potencial não foi devidamente aproveitado: a identidade desta história foi menosprezada em prol da criação de um produto vendível para o mercado da Netflix que por essa razão tem de ser estandardizado.

2.5/5
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