The First Omen (2024)

de João Iria

O conceito de produzir uma prequela para um dos maiores sucessos de horror no cinema, cujo ponto principal acentua-se numa revelação diabólica atualmente enraizada na cultura pop, simplesmente soa aborrecido. Principalmente num presente inundado por inúmeros reboots de franchises, como Halloween (1980) ou The Exorcist (1973) – Nem Deus consegue perdoar-te por The Exorcist: Believer (2023), David Gordon Green –; ocasionalmente divertidas com uma ténue promessa de qualidade mas fundamentalmente desprovidas de inspiração. São decisões que sobressaem, por vezes, como completamente ofensivas perante os clássicos que supostamente pretendem homenagear, capitalizando na sua prosperidade crítica e financeira, desinteressados na visão artística responsável por esses fenómenos narrativos. É uma perspectiva cínica mas dinheiro parece ser o único motivo para viajar ao passado e ampliar um momento dramático de exposição para uma história essencialmente previsível.

The First Omen comprova que com uma cineasta visionária, a monótona exaustiva intenção de expandir propriedade intelectual consegue rivalizar a própria longa-metragem clássica. Como mencionado, O Génio do Mal: O Início (título nacional) – lamento este aparte desnecessário, estou consciente que provém da tradução portuguesa original mas este título transforma uma premissa assustadora numa comédia infantil estilo Dennis the Menace (1959-1963) – explora os eventos que originaram The Omen (1976). Antes do completar os seus votos, a noviça Margaret Daino (Nell Tiger-Free) é convidada para trabalhar no orfanato de uma Igreja, situado numa Roma violentamente volátil com protestos políticos. Abrigada pela religião, Margaret estabelece ligações com as freiras e as jovens crianças desta comunidade, incluindo a órfã, Carlita (Nicole Sorace), uma jovem isolada das restantes raparigas devido ao seu comportamento problemático. Eventualmente, esta proximidade culmina numa suspeita de um ambiente secretamente abusivo, confirmado pelo Padre Brennan (Ralph Ineson), um homem distanciado deste local, que acautela Margaret acerca de um objetivo malicioso nesta Igreja: o nascimento do Anticristo.

Curioso a existência de duas obras com premissas substancialmente similares, distribuídas praticamente no mesmo espaço de tempo. The First Omen e Immaculate (2024) partilham idênticas temáticas, sinopses e ideias sobre autonomia feminina num mundo governado por figuras dedicadas a restringir a liberdade corporal. Surpreendentemente, num caso raramente avistado nesta era moderna, a prequela destaca-se em comparação à criação original, com um impacto vastamente superior no seu horror, valor dramático e na sua identidade audiovisual. Lamentavelmente, o argumento de Immaculate clama por uma extrema direção, reminiscente de Ken Russell, e por uma atmosfera invasivamente desconfortável e tenebrosa, avistada em Rosemary’s Baby (1968) ou Repulsion (1965), que contraria a natureza insegura do seu realizador, constantemente a interromper o seu filme com acentuados sons estridentes desnecessários para fabricar uma sensação inautêntica de medo no público e manter o interesse deste distante dos seus telemóveis. É inconsistente na sua concepção cinemática, motivado por uma falsa crença na sua audiência, resgatado sobretudo pela sua atriz principal e pelo seu terceiro ato. A realizadora de The First Omen, Arkansha Stevenson, é uma artista visionária com potencial para um excecional futuro grandioso no género do terror. Stevenson recusa-se a restringir esta prequela somente às expectativas dos estúdios ou dos seus espectadores, aliás, a cineasta usufrui destes elementos genéricos para beneficio da sua história, utilizando jumpscares com um propósito emocional. Os seus gritos nunca surgem como artifícios reles ou ordinários, irrompendo pela sua pesada atmosfera como um puro reflexo da angústia instalada no momento. Existe uma lógica dramática nestes instantes, recordando que os clichés são apenas sugestões iniciais com capacidade para voar nos cuidados dos sonhadores.

Apesar de um epílogo estranhamente bizarro estilo Avengers Satânicos(?) contrastar fortemente com o seu tenebroso evento climático e pelas suas esporádicas referências ao clássico original pecarem como dispensáveis – uma recriação da icónica cena “Look at me, Damien. It’s all for you” desaponta com uma excessiva camada ardente que apenas oculta a atrocidade infortuna e medonha desta passagem –, Stevenson conserva uma aura repugnante que absorve a sua audiência no seu caliginoso pesadelo feminino fecundado pela bactéria da apatia humana, envolvido num saco amniótico de opressão religiosa ritualizada. As suas imagens asquerosas nunca são implementadas com gore vazio. Body horror contunde a convicção da sua protagonista na segurança etérea da Igreja, uma ilusão celestial onde os seus anjos revelam-se como demónios com asas, sublinhando a nossa fragilidade carnal face à crueldade de um Deus que infeta os seus crentes com a enfermidade do poder. Em The First Omen, o corpo humano é delicado e vulnerável, propício a manipulação alheia, espelhada nos seus visuais gráficos enervantes que apagam inteiramente a ridícula mensagem conservadora de “pro-life”. É o nascimento do Anticristo. É suposto sentirmos a intensidade deste acontecimento, as suas repercussões futuras e a sua impressão emocional e física nas suas vítimas e infratores.

A banda sonora de Mark Korven, inspirada pela icónica música de Jerry Goldsmith, comunica precisamente estes componentes, ecoando vozes do além como almas perdidas a clamar pelo nosso sangue, numa harmonia sinistra cuja sonoridade ingere a nossa respiração. Neste inferno, Aaron Morton, diretor de fotografia, previne o domínio único da escuridão, propositadamente. É suposto testemunharmos o fulgor destes anelos malignos enquanto o negrume abriga as consequências destas sentenças, como uma figura nua descarnada, consumida pelas sombras, que encurrala a audiência nas suas gargalhadas. O espectador, aprisionado com a sua protagonista. Stevenson coloca-nos, após os créditos iniciais, sempre na perspectiva de Margaret, enfraquecida pelo mundo onde nasceu e pela finalidade imbuída ao seu corpo pela sua própria comunidade, a fonte de esperança que supostamente salvou a sua pele, alapando os seus pútridos e pestilentos apetites.

The First Omen exibe uma complexidade inesperada, particularmente na sua representação de sexualidade e liberdade corporal, utilizadas como uma necessidade humana todavia sendo também apropriadas com motivações perversas por organizações institucionais. A sociedade absorve a libertação feminina para seu próprio proveito, beneficiando o seu poder em apagar essa mesma liberdade ao construir uma noção de castigo e culpabilização capital pela forma como pessoas empregam a sua autonomia. É uma expressão de justiça corrupta que o argumento compreende como essencial nesta trágica exploração acerca de perder o controlo sobre o próprio corpo. As alterações ao clássico revitalizam a sua premissa, adicionando uma percepção vastamente superior no seu comentário religioso. Em The Omen, o seu aspeto fulcral foi incitado pelo pânico satânico concebido e alastrado pela Igreja e pela mentalidade conservadora da sua década. A longa-metragem original é uma vítima desta ansiedade – ou apenas usufruiu futilmente deste receio – enquanto esta prequela recorre a esta realidade, agora familiar, de autoridade constitucional e religiosa a espalhar medo para preservar o seu poder perante a população; marionetas arrastadas a obedecer através de falsas preocupações. Stevenson expande esta temática ao aplicar contexto histórico na sua narrativa, situando esta prequela durante os Anni di piombo: duas décadas de turbulenta violência política contra domínio governamental neofascista; com o povo italiano entregando o seu corpo à sua causa. Estes cenários elaboram uma inquietude cinemática, realçando uma nocente realidade de egoísmo humano em relação aos seus restantes seres. O terceiro ato ilustra este espírito, hipnotizando o público nos febris gritos de dor observados por uma multidão estática, desinteressada no sofrimento. Uma imagem que captura o conceito principal de The First Omen.

Nenhum destes pontos funciona sem uma protagonista fenomenal a liderar o seu cerne emocional e Nell Tiger-Free (melhor nome de sempre) é absolutamente fantástica, evocando uma ansiedade por liberdade, ocultada pelo seu olhar. Na sua interpretação sentimos as proclamações interiores da sua personagem, até na sua serenidade persiste uma vontade de subjugar os seus desejos, a sua vontade. É uma contradição sentimental de interesses que a atriz contém no seu corpo inteiro como um fantasma da sua pessoa. Uma cena, fortemente inspirada por Possession (1981), arrisca despenhar-se no absurdo. Apesar do resultado naturalmente ficar aquém de um dos melhores momentos cinemáticos de sempre, Tiger-Free impede essa imagem de sobressair como uma fraude, marcando esta passagem com a sua excelente performance, garantidamente uma das melhores deste ano.

Surpreendentemente, desvendamos uma salvação para o futuro da sétima arte neste condenado presente: uma identidade apaixonadamente destemida adequada para defrontar o anticristo cinemático intitulado de propriedade intelectual. Aprendam, David Gordon Green e Jason Blum. Estas sequelas tardias e reboots inusitados que recusam-se a aventurar pela complexidade criativa das histórias originais que pretendem emular demonstram-se profundamente fatigantes e enfadonhas. The First Omen está distante dos inúmeros clássicos que influenciaram esta narrativa. No entanto, é uma das prequelas mais entusiasmantes desta atualidade devido ao seu sucesso em preservar a sua visão artística cinemática face às insuportáveis notas do estúdio. Ave, Arkansha Stevenson. Amém.

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