Poucos adivinhariam que o realizador de Requiem for a Dream (2000), Black Swan (2010), Mother! (2017) e The Whale (2022), dramas com uma forte carga psicológica, carregados de metáforas e alegorias, se fosse aventurar numa comédia de ação policial. Mas Darren Aronofsky volta a surpreender, mostrando que não é apenas um mestre do drama psicológico e melancólico, como também sabe realizar um filme leve e divertido.
A narrativa acompanha Hank (Austin Butler), um bartender que vive em Nova Iorque com a namorada paramédica, Yvonne (Zoë Kravitz). Em tempos, Hank foi uma jovem promessa do basebol, mas um acidente de carro pôs fim ao seu sonho e tirou a vida do seu melhor amigo. No presente, dedica-se religiosamente ao seu clube, os San Francisco Giants, partilhando opiniões sobre os resultados com a mãe, com quem fala todos os dias ao telefone. Mas os traumas do passado e a miragem do que podia ter sido manifestam-se através do alcoolismo, que o impede de seguir em frente e de manter uma relação estável com a namorada.
Russ (Matt Smith), o vizinho britânico punk de Hank, pede-lhe para cuidar do seu gato, Bud, enquanto viaja para visitar o pai doente. O que à partida parecia apenas um fardo irritante (já que Bud tem o hábito de morder, piada recorrente ao longo do filme) acaba por se tornar o catalisador de uma série de problemas. Dois russos, dois judeus e um porto-riquenho entram num bar. Isto podia ser o início de uma anedota mas, infelizmente para Hank, são os mafiosos que o perseguem à procura de algo que Russ deixou escondido.
Apesar de se afastar totalmente do registo habitual de Aronofsky, o filme mantém o rigor técnico que caracteriza a sua obra, o que o coloca num patamar acima de muitas produções do género. A direção de fotografia de Matthew Libatique, a montagem de Andrew Weisblum (habituais colaboradores) e a banda sonora original de Rob Simonsen, gravada pela banda de post-punk IDLES, criam uma tensão absorvente que nos mantém colados ao ecrã, a torcer por Hank e pelo gato Bud. A ameaça constante à sua vida e à das pessoas que ama resulta sobretudo de um guião e de interpretações que não poupam no realismo nem no choque da violência, acumulando uma ansiedade crescente que chega a lembrar obras como Uncut Gems (2019) ou After Hours (1985).
Austin Butler é o motor do filme, dominando o ecrã com intensidade e carisma. Zoë Kravitz acrescenta emoção, mesmo com um papel subdesenvolvido, e Matt Smith traz humor nos momentos certos. Regina King dá sobriedade e realismo à história, enquanto os vilões aumentam a tensão: Nikita Kukushkin e Yuri Kolokolnikov como mafiosos russos, Bad Bunny como o perigoso “Colorado”, e Liev Schreiber e Vincent D’Onofrio como irmãos hassídicos cruéis.
Nova Iorque, cidade natal de Darren Aronofsky, é filmada com um carinho palpável, que transparece das ruas agitadas com os icónicos táxis ao metro apinhados de gente, dos bares de bairros multiculturais onde o basebol passa constantemente na televisão até à comunidade judaica hassídica, que remete às origens do realizador. Esta ligação não surge do nada: Aronofsky já tinha utilizado a cidade como palco em obras como Pi (1998), Requiem for a Dream (2000) e Black Swan (2010), sempre explorando diferentes facetas de Nova Iorque: da claustrofobia urbana à decadência social ou à pressão artística. Em Caught Stealing, a atenção recai sobre o bairro East Village dos anos 90, antes da gentrificação que o transformaria, recriado através da restauração de fachadas, grafitis, detalhes de lixo e até bicicletas abandonadas, tudo pensado para transportar o espectador para essa época: um bairro energético e caótico que espelha o estado interior das personagens.
No entanto, apesar da mestria técnica e da energia narrativa, o filme carece de densidade temática quando comparado com os trabalhos anteriores do realizador. A história apoia-se sobretudo nas reviravoltas do guião e no mistério que se vai adensando, mas dificilmente ficará na memória a longo prazo, ao contrário de Requiem for a Dream (2000) ou Mother! (2017), recheados de alegorias e críticas sociais. A estética punk proveniente da banda sonora, do guarda-roupa e da ação perde-se num filme sem grandes ideais; a temática do fracasso no basebol é rapidamente esquecida e, no geral, a obra parece ambicionar pouco mais do que entreter.
Aronofsky entrega aqui um filme de género competente, que domina no campo técnico mas que não procura reinventar-se ou oferecer um ângulo original. É uma obra que entretém, que evidencia o virtuosismo técnico do realizador e que prova a sua versatilidade, mas que nunca alcança o estado de ousadia dos seus restantes filmes.
