“If you really do want to be an actor who can satisfy himself and his audience, you need to be vulnerable.”
– Jack Lemmon
Los Angeles é a cidade onde todos os indivíduos agem como os protagonistas de uma história maior. Um espaço destinado à morte dos figurantes, em que as noites são consideradas créditos iniciais e cada dia é uma oportunidade de atingir um to be continued. Neste céu, os anjos inebriados por atenção procuram destaque individual e recusam-se a expor a sua pessoa com plena honestidade, pintando a sua fragilidade com cores primárias. Em Hollywood, a vulnerabilidade não é natureza humana. A vulnerabilidade é um talento.
É neste meio que os criadores de Barry, Bill Hader e Alec Berg, colocam Barry Berkman (Bill Hader), um assassino contratado que, a caminho de um trabalho para eliminar um ator amador, descobre uma paixão interior por acting e decide abandonar os seus dias de morte para se dedicar a uma nova vida de estrelas. A sua atração por esta atmosfera de talento evaporado surge através de Gene Cousineau (Henry Winkler), ator fracassado agora excêntrico professor de acting que rapidamente se transforma no mentor de Barry, e Sally Reed (Sarah Goldberg), aluna de Cousineau, aspirante a atriz e elo romântico deste protagonista, cuja habilidade é ultrapassada pelo seu narcisismo. Equipado com o manipulativo e cobarde Fuches (Stephen Root), um amigo de família que enlaçou Berkman neste caminho para o inferno, Barry depara-se entre os aplausos aliciantes do palco e um contrato fracassado com o líder da máfia Chechena, Goran Pazar (Glenn Fleshler), e o seu amável e ingénuo braço direito, NoHo Hank (Anthony Carrigan), implicando a sua participação numa guerra entre cartéis.
Durante as primeiras três temporadas – uma quarta temporada foi recentemente anunciada – observamos estas personagens, num conjunto de 24 episódios, em viagens absurdas individuais, interligadas através de ideias acerca da fantasia vendida por esta cidade, com todos os seus elementos famosos: drogas, fama, narcisismo, inveja, abuso físico e emocional, e os assassinatos ocasionais. Esta hilariante e genial sátira de Hollywood, ridiculariza o seu ambiente egoístico numa mixórdia de géneros, demonstrando um lugar repleto de pessoas fechadas no seu mundo com demasiadas preocupações de estrelato para notarem os tiroteios que ocorrem no background de cada cena. Desde a inevitável comparação entre um assassino contratado com os atores de Los Angeles, até ao vazio de um universo exageradamente focado em representar, impedindo a realidade de se intrometer, seja no palco ou fora deste. As lições que Cousineau refere, sobre ser necessário penetrar a nossa verdade para atingir a essência de uma atuação genuína, são incessantemente interrompidas por personagens a fugirem das consequências das suas ações e a distanciarem-se da sua própria verdade.
Dentro da página e enquadrado na câmara, Barry é uma série de atores. Além da sua exploração temática episódica, a própria construção das filmagens abraça esta perspetiva na forma como os criadores atribuem até ao mais pequeno ator um momento para brilhar, conscientes que as mais insignificantes falas ou instantes de exposição transportam potencial para uma cena hilariante ou memorável. Esta dedicação peculiar perante o papel de figurantes nesta história pontifica, naturalmente, uma volumosa devoção à conceção e desenvolvimento das personagens principais nas páginas, e ao luxuoso empenho desse mesmo elenco no ecrã. Atores que resplandecem em monólogos e diálogos absolutamente arrebatadores, e histórias pessoais que flutuam brilhantemente entre o absurdo e o realismo, enaltecidos pelos argumentos enriquecedores que recusam caraterizar o seu elenco como somente comic relief, e impulsionados à grandeza através de uma capacidade destemida de se colocarem frente a uma plateia mundial em plena implosão emocional e corporal. Esta criatividade imbuída na formação de personagens oferece gargalhadas e floresce o enredo em todas as cenas, exibindo o talento desta equipa de argumentistas, lideradas por Hader e Berg e na própria direção de atores. São brilhantes e invejáveis performances sobrecarregadas de honestidade que evidenciam a distinção entre o representar do show e o verdadeiro método de acting genuíno. É impossível assistir esta série sem reconhecer a presença dos melhores atores atualmente na televisão.
Contudo, o sucesso de Barry ultrapassa o seu elenco. Atrás das câmaras, Hader e Berg dirigem os episódios por estranhas estradas curiosas, com consciência da sua direção narrativa e uma potente disposição em prosseguir por decisões tresloucadas, encontrando a comédia no arrepiante e estabelecendo momentos emocionalmente devastadores no absurdo, mantendo sempre pleno controlo da divergência de tons. A transição destas páginas sensacionais para a lente apenas resulta com uma director’s chair firme e para Bill Hader, esta é o seu trono. Assistir Barry é presenciar uma deslumbrante estrela na realização pois o comediante comprova o seu domínio como um artista qualificado para reinar o futuro do cinema, no seu cuidado de composição e enquadramento de imagem e na atenção que insere em todos os elementos técnicos de filmagens, sejam os one takes maravilhosos ou a intimidante montagem de som. A sua aptidão recorda os mestres desta arte e resulta em alguns dos episódios mais prodigiosos na televisão entregues com menos de 30 minutos.
Barry é hilariante mas não é exatamente uma comédia, não para os seus criadores que consideram esta uma história sobre um assassino contratado a tentar aceder às suas emoções e ser uma pessoa normal, no mundo anormal de Los Angeles. Esta visão retira os limites narrativos da série e permite Barry ser tudo aquilo que Bill Hader pretende, tanto a personagem como o próprio enredo. Uma perspetiva que incentiva a evolução de cada temporada conforme o progresso do seu elenco, sem receio de se distanciar do ponto de atração inicial da série. Os temas explorados de insegurança pessoal e a sua influência sobre os passos destas personagens no seu drive por fama para alcançarem as colinas de Hollywood, demonstram um conhecimento íntimo deste espaço e deste universo criativo, onde até a feia e crua verdade recebe notes do estúdio para ser marketable. São estes essenciais pedaços vulneráveis na carreira de um ator que Bill Hader insere na criação de Barry e é precisamente essa vulnerabilidade que transforma a série numa das melhores histórias televisivas de sempre, mesmo antes de atingir a sua conclusão narrativa.
2 comentários
[…] Barry […]
[…] Henry Winkler | Barry […]