Black Mirror (2011 – ) dispensa apresentações, entrou não só no imaginário coletivo como conquistou o seu espaço no nosso vocabulário e tornou-se sinónimo para qualquer tipo de realidade distópica ou consequência negativa associada ao uso e abuso de tecnologia.
A antologia soma agora 33 episódios que exploram diversos cenários hipotéticos onde a tecnologia é levada ao extremo para comentar de forma satírica as suas implicações no comportamento humano. A série nunca obedeceu a uma estrutura rígida variando de temporada para temporada entre os 3 e 6 episódios. A 7ª temporada tem 6 episódios e, à excessão do último, USS Calister: Into Infinity – sequela do 1º episódio da 4ª temporada, USS Calister – podem ser vistos de forma completamente independente e sem qualquer sequência. Para além do seu formato interessante, a série deixa alguns easter eggs para quem estiver com vontade de fazer uma caça aos ovos tardia e algumas brincadeiras e interações que exploram as possibilidades da própria tecnologia e que confirmam a sua assinatura Black Mirror.
Uma das maiores dificuldade da série sempre foi manter a consistência, uma vez que os temas que explora são tão diversos, a série acaba por ter um espectro de receção muito alargado, deixando algumas historias no nosso coração e outras acabam por passar completamente despercebidas. A febre Black Mirror tem vindo a arrefecer nos últimos anos e o pequeno desvio que fez na sexta temporada com episódios com uma inclinação para a fantasia e terror deixou alguns fãs desacreditados no projeto, mas a mais recente temporada retorna um pouco à sua essência e à ideia a que associamos à própria expressão que o nome da série deu origem, e abre com chave de ouro num episódio que não podia ser mais “Black Mirror”, uma premissa muito interessante numa realidade não tão longínqua assim, com um desfecho catastrófico e interpretações brilhantes de Rashida Jones e Chris O’Dowd.
O seu criador, Charlie Brooker, volta a reunir histórias em cenários um tanto assustadores nesta sétima temporada mas que apesar do seu começo aguçado acaba por mostrar mais empatia com a tecnologia e retrata cada vez menos a condenação da humanidade como consequência de um sistema imposto por estes aparelhos, mas apenas como meio usado para mostrar os defeitos individuais de cada um.
A temporada começa com um episódio profundamente deprimente e assustador pela sua proximidade com a realidade. Common People mostra como somos manipulados pelo capitalismo e acabamos presos a modelos de subscrição altamente perniciosos, levando-o ao extremo numa caricatura do absurdo do sistema económico onde vivemos. E leva, na minha opinião, a medalha de ouro da temporada.
O episódio seguinte, Bête Noir, está colocado na sequência de reprodução da série na mesma posição em que está na minha preferência e leva a personagem principal, Maria (Sienna Kelly), e o espectador à loucura com o gaslight que faz e tem um dos easter eggs mais interessantes da temporada, onde Charlie Brooker aproveita-se da própria tecnologia para nos fazer sentir como a Maria. O final do episódio é um pouco disruptivo não só pela tecnologia escolhida mas também visualmente porque não está minimamente alinhado com o universo em que acontece o resto do episódio, mas o facto de não ser totalmente moralista e escolher uma espécie de praise kink como a epítome da vontade Humana, parece-me fechar muito bem uma narrativa sobre vingança, manipulação e infinitas possibilidades.
O terceiro episódio, Hotel Reverie, apesar da sua ideia inicial parecer interessante, reavivar um estúdio de cinema antigo através de uma tecnologia inovadora, não chega para convencer. A história desenvolve-se de forma um pouco insípida e acaba por ser o episódio mais desapontante pelo potencial que tinha para explorar as implicações da inteligência artificial no cinema e entregar uma história de amor pouco convincente.
Plaything, apresenta-nos Cameron Walker, interpretado por Peter Capaldi, que é preso por assaltar uma loja de conveniência e após a sua apreensão a policia percebe que é suspeito de um assassinato, o que o leva a um longo interrogatório que se desenrola como fio condutor do episódio. Começa por contar uma história que parece pouco relacionada com o caso, mas mostra-se não só reveladora como parte de um plano maior. O episódio joga com uma ideia ousada e interessante e, apesar de se sentir que não teve a melhor execução possível, o seu lado nerd refletido num estilo retro-futurista com a construção de uma peculiar super-máquina para alimentar uma relação com uns bichinhos virtuais muito fofinhos que por sua vez é alimentada a LSD, cria uma reflexão sobre a forma como “tratamos” estas “vidas” virtuais e como é que elas nos tratariam se tivessem capacidade para isso.
O quinto episódio, Eulogy, revolve em torno de Paul Giamatti numa exploração interessante sobre o luto e a memória através de uma tecnologia que permite entrar em fotografias. Apesar de ser um dos episódios que foge mais ao estilo da série, acaba por ser um dos melhores da temporada não só pelo contributo do ator mas pelo seu apelo emocional.
O último episódio tem 1h28m e pode ser considerado um filme, no entanto, tinha a ganhar se fosse um pouco mais direto e se tornasse em 50 minutos de boa televisão. Certamente que os fãs de USS Calister não se importam com a sua duração, mas a magia de Black Mirror acaba por ser a surpresa que vem com cada novo episódio onde nos apresentam premissas e mundos com regras diferentes. Investir numa sequela ainda por cima desta extensão foi arriscado e pode acabar por desmotivar quem não está tão investido na série, no entanto, o episódio tem momentos realmente divertidos, ótimas interpretações acaba por ser um bom desfecho para a temporada que termina com um tom positivo.
Como futuróloga amadora, isto não é uma ocupação real mas gosto de acreditar que sim. Consigo entender a dificuldade em definir a quantidade certa de extrapolação tecnológica e definir a linha que separa o que é um futuro próximo de saltos no multiverso, que parecem estar ainda um pouco distantes, e ao mesmo tempo fazer com que essa tecnologia não se torne obsoleta durante o período de produção da própria série e esse tem sido o grande triunfo de Charlie Brooker que continua a conseguir criar estes universos que são totalmente relevantes e saltam para as nossas conversas do dia-a-dia, que infelizmente se assemelha cada vez mais à realidade, e sem dúvida, esta temporada reforça a crença de que Black Mirror está aqui para ficar.