O sashimi cortado com uma faca de plástico e que sabe a douradinhos do fundo do congelador.
Se Samurai Cop fosse um prato num restaurante japonês, seria sashimi servido com ketchup: uma cena de crime estranha e que, por algum motivo, é impossível de ignorar. Este filme de ação policial, realizado por Amir Shervan, prometia artes marciais e adrenalina non-stop, mas entregou, sobretudo, comédia involuntária e absurda — daquelas que nos fazem rir nos momentos mais sérios… que acabam por ser muitos (ou muito poucos, dependendo da expectativa com que vão ver o filme).
A história segue Joe Marshall (Matthew Karedas, na altura creditado como Matt Hannon), um polícia de Los Angeles que domina artes marciais, e o seu parceiro Frank Washington (Mark Frazer), encarregues de desmantelar uma poderosa organização criminosa japonesa chamada Katana Gang, que está a expandir as suas operações de tráfico de drogas na cidade. Esta guerra aberta entre polícia e membros do gangue leva a execuções sem piedade, emboscadas, sequestros, e uma perseguição de helicóptero que deixa qualquer um a corar.
Em teoria, parece um filme de ação genérico com o tempero extra das artes marciais asiáticas. Na prática, é como se alguém tivesse escrito o guião nas costas de um panfleto da junta de freguesia a anunciar “aulas grátis de karaté”, já depois de duas ou três doses de saqué. As cenas de ação aparecem sem aviso, acabam abruptamente e são ligadas por diálogos plenos de innuendos sexuais que parecem piadas do Fernando Rocha, mas escritas por adolescentes ainda a entrar na puberdade.
Quanto ao elenco, Matthew Karedas interpreta Joe como uma mistura curiosa entre um Bruce Willis da loja dos trezentos, alguém que nasceu para fazer anúncios a uma marca de amaciador que bem conhecemos, e um manequim cheio de estilo, mas que está na montra de uma loja de um centro comercial abandonado. Já Mark Frazer, como Frank, carrega o seu papel de parceiro de Joe com expressões faciais tão certeiras quanto os seus tiros e que parecem gritar: “será que no fim disto tudo eles me vão mesmo pagar?”.
Do lado dos vilões, Fujiyama (Cranston Komuro) é o chefe, mas quem rouba o foco e dá literalmente a cara é Yamashita (Robert Z’Dar), com o seu queixo esculpido em mármore com a perfeição de um deus grego, e uma presença maior do que a vida. São caricaturas tão exageradas que parecem saídas de um jogo de consola dos anos ‘90, com direito a ameaças vazias, olhares acutilantes e planos malignos que nunca fariam sentido na vida real e que são impossíveis de levar a sério.
Os avanços “românticos” do nosso herói são também um ponto alto desta narrativa, com o cortejar de várias figuras femininas que surgem no seu caminho, mas com Jennifer (Janis Farley), a secretária de Fujiyama, como o seu verdadeiro interesse, um elemento que traz tanto de tensão como de momentos inegavelmente sensuais.
Visualmente, o filme é um festival de erros deliciosos: cortes bruscos, enquadramentos improváveis e uma direção de fotografia que oscila entre “filme de Domingo à tarde” e “gravação de casamento feita pelo sobrinho da família que tem uma câmara de filmar”. Cada cena é um jogo de descobrir as diferenças, neste caso, de contar quantas falhas há a acontecer ao mesmo tempo, sem nunca parar de nos fazer rir. O som, por vezes soa como se tivesse sido captado dentro de uma panela para que o microfone não apareça em cena, e os silêncios são quase tão constrangedores quanto as próprias falas. Tudo complementado por uma banda sonora – magníficos teclados eletrónicos em ácidos – que faz o espectador perguntar-se constantemente se aquela cena é para levar a sério ou não.
No contexto da época, Samurai Cop surge já no fim da vaga de ação dos anos ‘80 que deu ao mundo American Ninja (1985), Cobra (1986) e Lethal Weapon (1987). Só que aqui, em vez de estrelas carismáticas e orçamentos generosos, temos um filme independente a tentar cavalgar essa onda com tudo o que tinha à mão, ou seja, muito pouco. E é precisamente essa pobreza de meios, misturada com a total falta de experiência e mesmo senso comum, que o torna irresistível. No fundo, ver este filme é como ver o Lethal Weapon adaptado por alguém que se ficou pelo trailer e depois decidiu improvisar o resto, coreografando as lutas como se fosse uma aula de zumba. É um desastre cinematográfico, mas é precisamente isso que o torna fascinante. Melhor ainda, é um filme que traz à vida a experiência de ver um filme com mais gente, que se torna melhor quanto mais pessoas houver na sala, principalmente se cada uma estiver pronta a lançar comentários sarcásticos a cada troca de olhares, erro de continuidade gritante ou diálogo absurdo.
Se pensarmos bem, Samurai Cop deixou um legado e ganhou estatuto de culto, não aquando da sua estreia, mas muito depois, com a chegada das cópias em VHS que permitiram um maior alcance, e mais tarde, claro, através da internet. Foi redescoberto na mesma vaga que trouxe filmes como The Room (2003) ou Miami Connection (1987), ambos abraçados pela sua capacidade de entreter ao falhar em quase tudo. No cinema português, por exemplo, não é descabido dizer que influenciou o nascimento de Ninja das Caldas, dez anos depois, em 2001. Ambos transformaram limitações técnicas em espetáculo trash involuntário, com a oferta daquele raro prazer de ver o cinema falhar em grande estilo, com cenas que nunca esqueceremos.
Se os anos ‘80/’90 foram a era dourada dos “cop movies”, com um festival de protagonistas musculados vestidos de forma a conquistar qualquer mulher que se atravesse no seu caminho, então Samurai Cop é o primo escanzelado que foi à festa com um fato emprestado, mas que acabou por ser a estrela da noite com os seus movimentos de artes marciais épicos.
Se procuras um filme de ação competente, com cenas polidas e realismo, este não é para ti. Mas se adoras pérolas de B-movies e queres passar uma noite de risadas com amigos, douradinhos congelados e talvez uma bebida, ou duas (ou três), então Samurai Cop é um banquete que não podes deixar de experienciar. É para ver em casa, de preferência com companhia, e com a certeza de que a gargalhada é garantida. Serve na perfeição para lembrar que o cinema vale muito pela experiência que cria, não só pelo rigor da sua execução.
E já agora, se Samurai Cop conseguiu uma sequela em 2015, Samurai Cop 2: Deadly Vengeance, acho que é mais do que razoável pedir por um Ninja das Caldas 2 em 2026. Se tal acontecer, estarei nos primeiros lugares da fila para comprar bilhete.
