The Fantastic Four: First Steps é a quarta adaptação da primeira família da Marvel para o grande ecrã (excluindo sequelas), agora sob o comando da grande devoradora de mundos, a Disney – o Galactus do Cinema –, após o estúdio ter consumido a antiga detentora desta propriedade, a 20th Century Fox (descanse em paz). Será que à quarta é de vez? Nem por isso. Mas não faz mal, já estamos habituados, o que não faltam são quartetos fantásticos medíocres ou decentes.
Para alguns fanáticos, esta aquisição implicava uma oportunidade de entregar ao icónico grupo uma obra fiel às suas origens nos comic books, e também de compensar pela última versão, Fantastic Four (2015). As possibilidades são infinitas, especialmente numa franchise com múltiplos universos, mas o desespero é ainda maior para uma saga que está a perder o investimento do seu público, depois de uma sucessão de fracassos nas bilheteiras. First Steps representa, assim, um novo começo para o universo cinemático da Marvel; os “primeiros passos” em direção à próxima fase, uma supostamente refrescante, distante dos efeitos visuais manhosos e de narrativas excessivamente dependentes de “trabalho de casa”, conectadas a histórias passadas e futuras. As expectativas esticam até ao limite, a ansiedade é tudo menos invisível, a esperança afunda como uma rocha e eu estou a queimar a minha ínfima dignidade com esta escrita.
Portanto, recuamos até à década de 60, longe de Hulks vermelhos, viúvas negras ou Eternals (ainda existem na MCU?), num planeta terra alternativo, denominado Terra-828, onde Reed Richards (Pedro Pascal), o homem mais inteligente do planeta e com a habilidade de estender o seu corpo, recebe a notícia inesperada que a sua mulher, Sue Storm (Vanessa Kirby) está grávida. Uma mistura de entusiasmo e medo apodera-se de ambos: Reed receia que o bebé possa estar infectado com as suas mutações, carregando um sentimento de culpa pelo que aconteceu no espaço, enquanto Sue, com a capacidade de ficar invisível e criar campos de força, está apenas contente pois o mais importante é a sua chegada, não os seus hipotéticos poderes. Ben Grimm (Ebon Moss-Bachrach), o bondoso melhor amigo de Reed e inteiramente constituído por rochas, e Johnny Storm (Joseph Quinn), o solteirão irmão de Sue e intitulado de a tocha humana, celebram este feito, proclamando a sua alegria em serem tios. Já passaram 4 anos desde que o quarteto fantástico foi apresentado à sociedade, presentemente aceites e amados pela humanidade, praticamente caracterizados como celebridades.
O mundo está seguro nas suas mãos, tanto que durante o primeiro acto, simplesmente acompanhamos esta família de heróis a lidar com uma gravidez: a preparar a sua habitação, a ler livros sobre como educar uma criança e a fazer as comuns experiências cientificas para confirmar que o feto não tem aptidões sobre-humanas. Coisas de pais. Parece que a MCU está realmente a tentar resolver os problemas dos seus últimos blockbusters, colocando o foco nas suas personagens e no seu redor, numa história mais contida e com desafios “menores” – sejamos sinceros, criar um bebé é mais difícil do que lutar contra o Thanos. Tudo aparenta estar normal até à chegada de uma misteriosa arauta prateada, Silver Surfer (Julia Garner), que declara a destruição iminente da Terra-828, prestes a ser consumida por Galactus (Ralph Ineson), um ser celestial devorador de planetas. Os Fantastic Four pretendem negociar com esta criatura colossal, conscientes que é impossível vencer só com os seus poderes. Contudo, o seu pedido supera a lógica. Galactus quer a criança, ainda por nascer.
Compreendo que, para recuperarem o perdido amor da sua audiência, é necessário baby steps, mas eu diria que este bebé não consegue sequer bolçar sem assistência, quanto mais andar. O seu ritmo está completamente desiquilibrado, notado principalmente nos pequenos diálogos que tornam a narrativa ligeiramente desinteressante, surpreendentemente porque o argumento está repleto de ideias envolventes e muitas das suas decisões surgem como soluções desejadas para evitar as repetidas adversidades anteriores. Os olhos estão no coração da história, no seu significado, invés de easter eggs, sequelas ou em produzir uma papa visual de CGI; existe um conceito fascinante sobre a ligação entre o início e o fim, nascimento e morte – reflectido na melhor sequência do filme –, e ainda uma (subdesenvolvida) exploração da forma como as neuroses dos heróis impactam as suas interações com o perigo, mas o seu soft spot é evidente.
Acredito que é uma inevitável consequência de um realizador sem experiência no cinema. Não quero ser injusto com Matt Shakman, pois o cineasta claramente procura construir uma identidade única, reforçando a dinâmica de família destas personagens com diversos planos gerais e de conjunto (raros no MCU), e tentando evitar os constantes cortes estilo TikTok na edição, aborrecidamente frequentes nos blockbusters contemporâneos – plano individual, contra plano –, utilizados para mascarar a falta de visão. Esse empenho é também avistado na sua técnica audiovisual, desde os seus luxuosos cenários retro futuristas – ficamos com vontade de fixar as imagens como numa revista –, passando por uma direção de fotografia que destaca o azul do seu guarda-roupa como do céu (até à sua conclusão desagradavelmente cinzenta), e uma excelente banda sonora de Michael Giacchino, das melhores da saga, que captura o ambiente simultaneamente leve e épico desta longa-metragem.
No entanto, não existe uma estimulante coreografia de actores, de câmara, ou um domínio criativamente vibrante do espaço. O blocking é mínimo e a direção limitada, então, First Steps fica preso ao pacing das filmagens. Afecta a química entre o elenco, o humor, e os diálogos, com demasiadas cenas que sobressaem como desprovidas de vida. As brincadeiras iniciais na montagem, aludindo aos clássicos da década, são eventualmente substituídas por uma edição convencional; a intimidante, tenebrosa e potente introdução de Galactus é assassinada numa batalha climática visualmente pateta; e, apesar de ter mencionado uma fantástica sequência de acção, a realidade é que, juntamente com um monólogo tocante, esta é dos poucos momentos positivamente memoráveis deste blockbuster. Os caminhos são diferentes mas a cantiga que acompanha a jornada é a mesma de sempre. A conclusão reverte aos problemas habituais desta franchise e a típica instabilidade na qualidade dos seus efeitos visuais é repetida gravemente, The Thing e Silver Surfer são exemplos excelentes dos altos mas um bebé CGI distrai imenso do drama e evoca trágicas memórias de The Twilght Saga: Breaking Dawn – Part 2 (2012) – Renesmee will return in Fantastic Four 2.
O casting ampara algumas das suas quedas, com talento e charme tradicional a arder pelo ecrã, todavia, o delineamento dos seus protagonistas desaponta. Sue Storm tem personalidade mas o seu papel é reduzido a um único traço, o seu cordão umbilical. Vanessa Kirby é uma grande actriz e entrega uma performance que marca os picos emocionais da história, mas nada apaga a sensação que a sua personagem foi colocada no canto, com um berço. Uma escolha puramente bizarra pois Reed não recebe idêntica descrição; a sua personagem é uma de culpa, nervos e ansiedades, consistentemente a estudar todas as possíveis alternativas, positivas e negativas, para atingir segurança e o sucesso, e impedir os seus próximos de sofrer, como sucedeu no passado. Pascal move o seu corpo com estes receios eternamente presentes, um homem que consegue esticar o seu corpo e mente para todos os pontos, nunca vai ficar parado. Ainda assim, um dos maiores choques neste filme é presenciar “o homem mais inteligente do mundo” a criar uma solução irresponsável. Compreendo que existe uma luta contra o tempo mas as repercussões das suas acções nunca são mencionadas – a sua necessidade de proteger o mundo implica “somente o seu mundo”.
Moss-Bachrach captura a forte bondade do seu herói rochoso, com algumas falas divertidas e um passo cuidadoso, como se estivesse constantemente com cuidado, a tentar evitar esmagar algo ou alguém. Os seus poderes espelham inteligentemente os seus objectivos e as suas preocupações – além dos mencionados, Sue Storm quer proteger os seus amados, ao ponto de ficar invisível (um aspecto ignorado no argumento). Ainda assim, nenhum destes indivíduos tem exactamente uma jornada de crescimento ou evolução. Esta família tem a construção dos comics, com espaço suficiente para brincar com as suas personalidades, mas as suas relações e as suas viagens individuais (ou em conjunto) acabam murchas.
A excepção é Johnny Storm, equipado com um preservativo Disney que impede a sua hornyness de alastrar mais do que meros segundos, encarado como um solteirão impulsivo nas suas chamas, que comprova a sua paciência, intelecto e a sua compaixão fogosa, e Silver Surfer, uma criatura vastamente intrigante com um background comovente, que é derrubada por outras ondas narrativas. Finalmente, Ralph Ineson é o casting perfeito para o temível Galactus, sendo a sua voz das mais poderosas da sétima arte, mas o antagonista brilha na introdução e cai na sua conclusão climática, perdendo todo o seu horror. Até o melhor do filme é puxado numa corrente desgastante para um mar poluído.
Reed procura insistentemente por soluções na sua ciência. Durante os créditos finais, constatamos uma Marvel a seguir idêntico trajecto, desesperada por regressar ao trilho inicial do amor, criatividade e simplicidade. Procuram por respostas e chaves para proteger o seu universo, com o cuidado de um rochedo e uma precipitação acesa. The Fantastic Four: First Steps é moderadamente encantador, com uma verdadeira paixão pela criação de Jack Kirby e pelas suas páginas deslumbrantes. É uma homenagem à sua imaginação bíblica. Como o seu protagonista, desvendam um resultado, o único possível para o momento actual e para um estúdio multibilionário assustado com o futuro e com os seus bolsos: ninguém dá um passo em frente, nem um passo para atrás. Ficam somente parados, à espera do público.