Rosaline (2022)

de Eduardo Sacadura

Dois jovens vivem um amor proibido pelas suas famílias que resulta no trágico suicídio dos amantes. Ao partilhar com o leitor esta breve sinopse, será provável que lhe venha ao imaginário a imensamente popular peça de William Shakespeare conhecida como Romeo and Juliet (1597). O texto dramático é talvez a história de amor mais célebre já criada, com um leque de adaptações que beira as centenas nos mais diversos formatos artísticos. No grande ecrã, obras como West Side Story (1961 & 2021) ou Romeo + Juliet (1996) reimaginam a tragédia renascentista, em diferentes géneros e graus de liberdade, aproximando-a ao contemporâneo. Nelas, a nobreza é substituída por gangues rivais e as lutas travam-se com armas de fogo e canivetes em vez de espadas e punhais, facilitando a compreensão e consequente conexão do público com a história do século XVI.

De certa forma, estas reinterpretações auxiliam na renovação da autoridade da obra shakespeariana na literatura e na manutenção do seu espaço no imaginário cultural, contudo ao permanecerem fiéis a uma releitura tradicional, limitam o seu valor enquanto obras independentes. Esta é a principal força de Rosaline: uma romcom de época que se propõe a contar a história através da perspetiva da ex-namorada de Romeo Montague (Kyle Allen), removendo o tradicional par romântico do centro da ação e conferindo uma releitura criativa à obra que despertará, de igual modo, o interesse de amantes de Shakespeare e de fãs do género.

O filme começa por apresentar Rosaline Capulet (Kaitlyn Dever), uma jovem nobre de Verona que, à semelhança das restantes jovens desta época, se encontra numa posição de subserviência à família, fruto de uma estrutura social rudimentar e patriarcal. Rosaline é, portanto, uma moeda de troca, um belo adorno destinado a casar com o homem que o seu pai, Adrian Capulet (Bradley Witford), considerar digno para honrar a família e providenciar um bom dote. Contudo, Rosaline posiciona-se firmemente contra as imposições sociais da sua família, proclamando o seu interesse por cartografia, expressando a sua vontade de viajar o mundo, visitando tabernas para se divertir e – mais importante para a narrativa – desafiando a convenção do casamento através de uma paixão proibida com Romeo, um jovem nobre de uma família rival.

A temática de emancipação feminina e desafio às normas estabelecidas, já presente na primeira longa-metragem de Maine em Yes, God, Yes (2020), enriquece o tom humorístico e revisionista do filme. Rosaline procura a libertar-se do autoritarismo da época, ridicularizando não só os costumes como a obra de Shakespeare onde, através do meta-comentário, denuncia a dissonância estilística das teatrais juras de amor de Romeo para com o tom cómico e moderno do filme. Após a incapacidade de Rosaline em retribuir a declaração de amor de Romeo e deixá-lo pendurado no infame baile de máscaras – por se encontrar, ironicamente, num passeio de barco arranjado pelo seu pai com Dario (Sean Teale), com um nobre pretendente à sua mão – o jovem Montague conhece a sua prima, Juliet Capulet (Isabela Merced), desencadeando a tão famosa “história de amor”. Após descobrir a traição, Rosaline vê-se obrigada a delinear um plano para recuperar o seu amante enquanto afasta o novo pretendente.

Maine tenta construir simultaneamente uma reinterpretação narrativa e uma adaptação moderna da obra de Shakespeare, não se comprometendo totalmente com nenhuma das propostas. O argumento de Scott Neustadter e Michael H. Weber incute em algumas personagens como Rosaline, Dario, Steve, o mensageiro (Nico Hirage) e Paris (Spencer Stevenson) uma dimensão contemporânea marcada por observações anacrónicas e um estilo de humor esperado em romcoms que funciona como instrumento de rutura para com o texto clássico, mas que inseridos numa obra em que o restante elenco se rege pela ótica da tragédia renascentista e de registo mais teatral, acaba por acentuar a incoerência das propostas.

De igual modo, a montagem rápida aliada às composições ou reinterpretações de músicas pop reforçam o desejo de reinvenção contemporânea de Maine que colide com uma cenografia e figurino intimamente representativos do período renascentista. Esta ambivalência estética revela o conservadorismo de Maine – não nas temáticas que aborda, mas na exposição das mesmas. A movimentação da câmara é contida, insistente em planos estáticos e poucos expressivos, focados nas interpretações esforçadas de um elenco que, pela superficialidade de desenvolvimento das suas personagens, não consegue convencer inteiramente. Kaitlyn Dever é a exceção nesta dimensão que, beneficiando de uma personagem eficazmente enquadrada no tom humorístico e revisionista da obra, consegue divertir e imergir o público nos seus planos.

Rosaline é um filme que promete dar nova vida a uma obra shakespeariana, mas que ao ambicionar igualmente uma modernização estética – na mesma linha de Wise e Robbins, Spielberg ou Luhrmann – e não se comprometer plenamente com a mesma, entrega uma obra leve e com momentos de humor bem conseguidos, mas com uma incoerência formal que penaliza a sua concretização.

2.5/5
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