Crítica | Highest 2 Lowest (2025)

de Eduardo Sacadura

Qual é o preço do nosso legado?

Esta é a questão com a qual Spike Lee nos provoca ao longo da sua mais recente obra Highest 2 Lowest, uma reinterpretação do colossal thriller policial de Akira Kurosawa, High and Low (1963). A nova joint de Lee promete ampliar o debate socioeconómico construído pelo mestre japonês no século XX, oferecendo uma visão contemporânea e ocidentalizada que expõe a moralidade individual a um contexto pautado pela crescente fragmentação racial e nova revolução tecnológica.

A narrativa explora a história de David King (Denzel Washington), magnata da indústria musical e fundador da Stackin´Hits Records, uma editora destinada à descoberta e promoção de artistas afroamericanos. King, que está disposto a colocar toda a sua fortuna em jogo para adquirir controlo da empresa e impedir uma potencial venda, vê os seus planos frustrados quando recebe a notícia de que o seu filho, Trey King (Aubrey Joseph) foi raptado e que o resgate exigido irá levá-lo à ruína.

A quinta colaboração entre Lee e Washington transporta-nos até Nova Iorque enquanto cenário do seu enredo. O fascínio do cineasta pela cidade está bem estabelecido dentro da sua filmografia, saltando à memória obras como Do The Right Thing (1989) ou Jungle Fever (1991). Esta familiarização com o cenário joga a favor do realizador que, através dele, consegue incutir na obra elementos temáticos e estilísticos transversais ao seu corpo de trabalho e que distinguem Highest 2 Lowest da sua principal referência. Ainda assim, Spike Lee apresenta-se maioritariamente contido nos dois primeiros atos do filme, caracterizados por uma mise-en-scène pouco inspirada e sustentados pelo carisma inigualável de Washington. Os planos, a iluminação e blocking – talvez o elemento formal mais característico de High and Low – não acompanham a ambição temática do filme, aparentando um certo receio de ruptura do realizador com a obra de Kurosawa. A sonoplastia, ironicamente, revela-se a componente mais inconsistente do filme com as composições de Drossin a contrastarem com o tom da narrativa, encontrando uma harmonia apenas no terceiro ato.

Não surpreendentemente, estas tendências são invertidas quando deixamos a penthouse de King e o acompanhamos numa aventura pelas vibrantes ruas da Big Apple. Aí, Lee encontra a liberdade para retratar o ritmo caótico e acelerado dos ambientes urbanos e marginalizados que lhe é tão familiar.  A montagem rápida de Brown complementada por cortes abruptos e desconcertantes ampliam o senso de urgência e estado emocional dos personagens. Da mesma forma, o argumento de Fox cresce com as interações entre King e Yung Felon (ASAP Rocky) com ambos os atores a entregar representações magnéticas, deixando a desejar uma maior exploração da dinâmica.

A ocupação do espaço urbano, cultural e político confere à obra uma identidade própria que imerge o espectador na ação, mantendo simultaneamente o conflito central entre a importância da vida humana e da posição social ocupada. Ainda assim, Lee mergulha superficialmente na miséria sentida por aqueles que estão na base da hierarquia, enfraquecendo o peso da escolha do protagonista. De igual modo, os elementos criminais, durante o processo de investigação policial, são simplificados de tal forma que enfraquecem o filme dentro do seu género.

Na obra de Kurosawa, a narrativa é inicialmente ampliada por uma construção de cena metódica, quase cirúrgica, onde o dilema apresentado é aprofundado pelas múltiplas perspetivas presentes. Esta precisão permanece visível na mudança de foco da família para a equipa de detetives responsável pelo caso, acentuando não só todo o esforço despendido durante o processo de investigação como a complexidade e imoralidade presentes no plano do sequestrador.

Este alinhamento entre conteúdo e forma permite uma coerência transversal ao filme que não encontramos em Highest 2 Lowest. Na tentativa de oferecer uma visão complementar à mensagem de Kurosawa, Lee vai alternando entre um alerta para alienação criativa causada pela inteligência artificial, a importância da construção e passagem de um legado identitário que empodere gerações futuras e a denúncia de uma sociedade assoberbada de informação, negligenciando a estratificação social enquanto temática conectora da obra.

Highest 2 Lowest revela-se uma fotografia fiel da Nova Iorque contemporânea expondo matérias ambiciosas e pertinentes na sua conjetura, mas que ao recear romper totalmente com o seu antecessor, não se permite desenvolvê-las com o mesmo grau de detalhe, comprometendo a profundidade do seu discurso e, consequentemente, permanecendo na sombra do thriller de Kurosawa.

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