Crítica | Sorry, Baby (2025)

de Lara Santos

“I feel guilty when I don’t think about it”

Como se já não fosse suficiente arcar com a dor incessante de um trauma, sentir culpa por, numa dada altura, não pensar nele, é péssimo. Porque se não estivermos a pensar no assunto constantemente, ou a exteriorizar de forma gritante para os outros, é como se não fosse assim tão mau, e não tivesse assim tanto valor, certo? Este é um exemplo de como nós, no geral, esperamos sempre que uma pessoa sofrida se comporte de uma determinada maneira, e se fugir dessa idealização, é estranho. Mas surpresa: cada um lida com as coisas de forma diferente, e é neste sentido que Sorry, Baby surge, com uma perspetiva mais delicada, mas real, do impacto de um trauma. 

Na sua belíssima estreia enquanto realizadora/argumentista, Eva Victor interpreta, ainda, a protagonista Agnes, uma professora na universidade onde outrora era aluna, e colega de casa da sua melhor amiga, Lydie (Naomi Ackie). Agora, a viver sozinha na Nova Inglaterra, Agnes, apesar de gostar do seu trabalho e, como o filme defende, e bem, ter um gato para seu desafogo, sente-se presa. Algo traumático aconteceu no seu tempo da faculdade, e embora já se tenham passado três anos, a realidade é que, e citando uma das personagens de Sorry, Baby, “três anos não é assim tanto”, e este passado é algo que ainda a persegue. 

Enquanto Lydie segue com a sua vida, muda-se para Nova Iorque e espera um bebé, a da personagem central parece ter estagnado e, neste filme, dividido em várias partes, como “The Year With The Baby”, “The Year With The Good Sandwich” e “The Year With The Bad Thing”,  somos levados nesta jornada igualmente dolorosa e esperançosa de Agnes pelo antes e, sobretudo, o durante e o depois da “coisa má”, tentando viver o mais normalmente possível depois de algo que torna a normalidade quase impossível.

Sorry, Baby destaca-se pela mestria do tom em cada cena. Não é um filme pesado ou explícito ao ponto de ser indigerível, nem tão leve que o torne ofensivo. Resulta de uma equação perfeita entre a dor ligada ao trauma e o humor como mecanismo de defesa, mas também como meio de libertação. Os termos da equação que contribuem para esta solução são as atuações, todas elas excelentes, mas em especial a da própria Eva Victor, que está completamente em sintonia com a sua personagem a cada segundo, trazendo um tipo de sofrimento menos chamativo e mais contido.

Em termos visuais, Sorry, Baby utiliza uma técnica muito eficaz que abre asas para uma importante reflexão. São diversos os momentos em que a câmara fica pousada do lado de fora de edifícios, estáticos, pelo que os únicos movimentos capturados são pássaros a voar, pessoas a entrar e a sair, e o dia e a noite a passar, enquanto a ação principal que move o filme está a acontecer do lado de dentro. Assim, nós, a audiência, não vemos o desenrolar do que se passa no interior, e somos apenas deixados com o subentendido da cena. Estamos divididos entre a inércia exterior e a mudança interior, que causa uma certa dissonância, tal como a sentida constantemente por Agnes. Embora coisas péssimas aconteçam, o mundo à nossa volta permanece igual, a vida continua, e essa é a triste realidade. Não deveria o mundo retrair-se perante o peso do que se passa cá dentro? Não deveria haver uma qualquer alteração externa como prova da dor e do conflito internos?

Ainda assim, Sorry, Baby mostra como é possível encontrar o bom na dor e na cura, através das pessoas à nossa volta. Lydie é o porto seguro de Agnes, a melhor amiga que se pode ter numa situação destas, e o seu humor, empatia e vontade de vingar quem magoou a sua amiga e apoiá-la nas suas loucuras, desde adotar um gato a pegar fogo a um escritório, são cruciais. Cada um tem o seu propósito na melhoria de Agnes, seja Lydie, Gavin (Lucas Hedges), o “namorado” vizinho constrangedor mas acolhedor e caloroso, ou mesmo Pete (John Carroll Lynch), o desconhecido, achado por acaso, com quem se acaba por partilhar uma reconfortante conversa e uma sandes. Neste sentido, o diálogo natural, muitas vezes awkward, contribui para a autenticidade do filme.

Sorry, Baby abraça a dor, no sentido em que é necessário aceitá-la, digeri-la, mas não nos entregarmos a ela, e denota a importância das pequenas coisas. É um filme que lida com algo horrível, mas que de certa forma, no fim, deixa a audiência com uma sensação mais doce e revigorante do que qualquer outra coisa. É comouma pessoa que aparece na forma exata no momento exato e é, e será, com certeza, um filme essencial e catártico para muitos.

4/5
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