Crítica | Partir un Jour (2025)

de Pedro Ginja

Manter equilíbrio entre uma vida pessoal feliz e uma carreira profissional bem-sucedida é algo muito difícil de manter. Para alguns parece fácil e tudo flui com naturalidade, enquanto para outros é uma tarefa a roçar o impossível. Para o comum dos mortais, no entanto, é uma luta diária onde por vezes “ganha” a família/amigos, enquanto noutras ocasiões não há outra hipótese senão escolher a carreira como foco na nossa vida. O que se descobre mais tarde é que aqueles para os quais ambos os caminhos parecem abençoados escondem, dentro de si, muitas histórias por contar e nem sempre com um final feliz. O passado tem sempre maneira de nos mostrar se estamos no caminho certo.

Cécile Béguin (Juliette Armanet) parece seguir este trajecto de uma vida abençoada, mas esconde alguns segredos que prefere manter junto do coração. Com um restaurante de alta-cozinha a dias da sua inauguração, recebe a notícia que o seu pai, Gérard (François Rollin), teve um ataque cardiáco. Após receber alta do hospital, Gérard decide manter o mesmo estilo de vida o que leva Fanfan (Dominique Blanc), sua mãe, a pedir a Cécile para visitar o pai no restaurante que mantém em funcionamento desde os seus tempos de criança, e onde aprendeu a cozinhar. O regresso ao local onde cresceu acaba por revelar memórias esquecidas e abalar as certezas numa vida, aparentemente, tão desejada.

Partir un Jour tem origem numa curta-metragem homónima, realizada por Amélie Bonnin e estreada em 2021. A realizadora retoma agora essa história, expandindo-a e adaptando-a ao formato de longa-metragem, mantendo a ideia central — o regresso a casa após uma longa ausência — mas com um novo protagonista e diferentes temas, preservando a essência de uma viagem de descoberta pessoal. Começa como qualquer drama com o estabelecimento do ponto de inflexão, o ataque de coração do Gérard, colocando a protagonista em dúvida se deve viajar para visitar o pai por estar prestes a inaugurar o seu restaurante – o sonho de uma vida. Na conversa, de repente, soam os acordes de Alors on Danse de Stromae, pop puramente francês na voz dos seus protagonistas. As fundações estão estabelecidas neste musical, mas um bem diferente do que estamos habituados vindo de terras americanas. Não há glamour, grandes orquestrações ou números musicais épicos, mas sim um musical assente na realidade, improvisado e mesmo desafinado a espaços, mas nunca vazio de grandes emoções.

Nem todos os momentos musicais funcionam, mas todos eles conspiram para nos ligarmos cada vez mais com a sua protagonista Cécile, interpretada por Juliette Armanet. A actriz consegue-nos conquistar mesmo quando não concordamos, de todo, com as suas acções na narrativa. A construção das personagens é tão forte que se torna fácil ligarmo-nos não apenas a Cécile, mas também ao restante elenco, nunca se notando pontas soltas ou elos mais fracos. Os diálogos são orgânicos e fluem tão naturalmente que acabam por nos fazer esquecer a estrutura previsível da história e o caminho teleguiado para o final de autodescoberta da sua protagonista. Os destaques são óbvios, desde Gérard interpretado por François Rollin, o pai que se refugia no trabalho para não sentir as saudades da filha; até a Fanfan, interpretada por Dominique Blanc, refém de um vida com a qual já não se identifica por amor a Gérard. Apesar do filme ser de Cécile, sente-se esta crise conjugal dos pais com a mesma intensidade, apesar do tempo centrado neles ser bem mais curto. A esta equação ainda se adiciona Raphaël, interpretado por Bastien Bouillon, uma antiga paixão que multiplica as dúvidas e actua como catalisador da narrativa. O que parece um clichê ambulante, à primeira vista, acaba por revelar as melhores lições da história, muito graças ao espírito livre e atitude que transborda de Bastien Bouillon.

É aliás no clichê, na sua celebração e, acima de tudo, nas opções musicais cheesy, que está o seu maior charme. Além da já citada Alors on Danse, temos ainda Céline Dion na sua língua materna, clássicos de amor de anos passados, hip-hop do mais martelado possível, como Dj Fiesta e K.Maro, e ainda mistura uns laivos de boysband do mais piroso possível com 2 Be 3. As escolhas musicais poderão até ser duvidosas, mas assentam que nem uma luva na missão de concretizar uma viagem ao passado de Cécile, sem nunca sair do presente. Mesmo que o público não esteja familiarizado com a seleção de canções, as opções soam perfeitas para a história que está a ser contada e as orquestrações minimalistas reforçam a identidade única desta comédia musical.

Partir un Jour é um abraço nostálgico à França rural, cada vez mais afastada da ribalta em favor do glamour de Paris. É no espiríto livre com que aborda a habitual estrutura do musical e na infusão de clichês sentimentais e pop francês que estão as suas maiores virtudes. Preparem os canais lacrimais – “Eyes will roll but tears will flow”

3.5/5
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