“Ilusão, Michael! Um truque é algo que um estúdio faz por dinheiro.”
Quantas vezes podemos ver o mesmo truque de magia até perder a graça? Eu diria logo no primeiro filme Now You See Me (2013) mas, claramente, estou na minoria pois acabou de ser anunciado um quarto capítulo nesta franchise. Podem desligar a música, apagar as luzes e fechar as cortinas do palco, porque eu estou aqui para arruinar a diversão, criticar o show e revelar o coelho morto dentro da cartola. Eis o meu problema com esta saga: no nosso mundo, um acto de magia é um evento arrebatador porque sabemos que é um truque, que existe um jogo de mãos, uma técnica precisa, digna de respeito. Como é possível? Depois de obtermos respostas, continua a permanecer admirável. Precisamente por este motivo, no cinema, efeitos práticos superam (maioritariamente) CGI. Porque ficamos perdidos na história e regressamos à nossa infância, quando a magia era realidade. Não quero desvalorizar os impressionantes avanços tecnológicos dentro da sétima arte, contudo, é impossível negar este aspecto artístico. Somos maravilhados porque acreditamos na ilusão. Onde está a magia de experienciar um truque, quando sabemos que foi feito num computador?
Curiosamente, somos introduzidos a uma decepção electrónica com uma tripla de jovens aspirantes a mágicos – a rebelde June (Ariana Greenblatt, o técnico Charlie (Justice Smith) e o impressionista Bosco (Dominic Sessa) – a elaborar o falso regresso dos 4 Cavaleiros, através de deepfakes, para roubar um corrector de criptomoedas corrupto (não são todos?) e espalhar o dinheiro pela audiência. Naturalmente, são confrontados com a equipa original – Atlas (Jesse Eisenberg), Merritt (Woody Harrelson), Jack (Dave Franco) e Henley (Isla Fisher) –, mas, surpreendentemente, por diferentes motivos, sendo convocados pela organização secreta, o Olho, para um novo assalto. Apesar da sua separação, os Cavaleiros decidem voltar a unir forças, agora com a assistência dos novatos, para recuperar o “Coração” – o maior diamante do mundo, actualmente na posse de Veronika Vanderberg (Rosamund Pike), chefe de uma empresa de diamantes na África do Sul –, e descobrir o seu segredo.
Now You See Me: Now You Don’t segue os passos da sua principal influência, a franchise do Fast & Furious mas com mais cabelo – trocando carros por magia e um actor que não consegue falar por um actor que fala demasiado rápido. As semelhanças são tão óbvias, especialmente num terceiro acto com um carro de Fórmula 1 em Abu Dhabi, que não ficava surpreendido por um cameo de Vin Diesel como um David Copperfield de alumínio; afinal, como nessa saga, as personagens estão mais próximas da Marvel do que Las Vegas, aliás, parece que os Cavaleiros fizeram intercâmbio em Hogwarts, tendo em conta a impossibilidade das suas ilusões. Este terceiro capítulo até inclui um duvidoso tease para uma possível futura spin-off feminina, onde assumo que a personalidade deste elenco de mulheres não seja cortada ao meio como neste filme.
É uma trilogia que foi criada para ser vista em segmentos de clips aleatórios no Youtube, com uma mensagem fútil de classes sociais, estilo Robin Hood sem flechas e com um lenço infinito, que destaca-se como hipócrita nesta obra, devido a uma publicidade descarada à cidade de Abu Dhabi – introduzida com elogios, sentimos a língua suja da produtora/distribuidora Lionsgate pelo ecrã, entusiasmada com os abatimentos oferecidos no orçamento destas filmagens. Aparentemente, o maior truque de magia deste filme é fazer desaparecer o tráfico humano e a escravatura desta capital. São golpes narrativos manipulativos para apoiarmos imediatamente este grupo e aderirmos às suas aventuras, sem questionar o seu engenho ou as suas intenções. Não culpo a equipa criativa ou os rostos à frente da câmara, nem vou agir como se todas as produções situadas nesta área fossem moralmente condenáveis, mas é uma atitude vergonhosa mascarar esta história com um sentido de combate pela justiça enquanto os protagonistas elogiam a luxuosidade da localização.
Admito que estou a ser injusto. Now You See Me não pretende ser uma exploração de temas profundos na nossa sociedade ou um filme sobre a identidade humana. São longas-metragens que só querem entreter. Portanto, vamos avaliar o espectáculo e os seus artistas. O elenco original regressa, incluindo Isla Fisher – ausente na sequela anterior –, que surge com uma explicação meta acerca do seu desaparecimento (imaginem quase perder a vida pelo Now You See Me, pelo menos o Tom Cruise tem o Mission: Impossible), todavia permanecem com características baratas, afundados em constantes diálogos de exposição desinteressantes e piadas mortas. Pode ser um ensemble mas o excesso de personagens é uma bigorna neste mar de talento que impede a química de flutuar e o seu carisma de nadar, pois o argumento recusa-se a construir um palco para a sua equipa deslumbrar como uma equipa, ficando perdidos pela audiência, a atrair atenção apenas pela sua familiaridade.
Dentro dos whodinis (para um público geral), Greenblatt é o elo mais fraco com uma caixa vazia nas mãos enquanto Sessa e Smith superam os seus papéis genéricos com performances aprazíveis. Dentro dos clássicos membros, os cavaleiros persistem com charme para compensar a falta de cavalos. Eisenberg faz a sua coisa, Fisher retorna para praticamente nada, Franco é Franco (negativo), Harrelson é Harrelson (positivo), e Morgan Freeman entrega um dos momentos mais dramaticamente insignificantes num blockbuster deste ano. Eu gosto de todos estes actores (incluindo o Dave Franco, as minhas desculpas Franquito) mas ninguém consegue carregar o peso da banalidade de Now You Don’t às costas ou disparar as suas falas clichés. No final, somente duas actrizes salvam o espectáculo: Rosamund Pike a deleitar-se com um sotaque silly e uma antagonista engraçada, e uma participação surpresa que oferece a melhor cena do filme (uma fuga da prisão), a única sequência de acção com presença e sentido de humor.
Atingimos, então, o próprio show. Infelizmente, Ruben Fleischer realiza Now You See Me com uma varinha flácida, incapaz de levitar a audiência do assento, provocando sorrisos ocasionais, diversão esporádica e entretenimento leve que desvanece instantaneamente. Existe a promessa de imaginação, particularmente numa mansão dedicada a famosos cenários mágicos, onde os nossos protagonistas entram numa encantadora guerra de ilusões com cartas e os quartos revelam imensas possibilidades para brincadeiras cinemáticas. Confesso que, por vezes, abandonei o meu lado crítico e deixei-me levar pela festa lúdica, seja no acto de roubar um diamante, no mencionado confronto de jokers ou no excelente resgate da prisão. No entanto, o cineasta nunca transforma o background de cartão numa verdadeira paisagem, desperdiçando o seu design de produção e o seu potencial para esquemas ópticos; apagando as chamas dos seus cortinados com visuais frívolos. Sempre que o entusiasmo apodera-se do espectador, a conta chega com um mojito aguado para retirar-nos desta exibição.
Sinceramente, não consigo apontar diferenças substanciais entre estes filmes. Melhor que o segundo, pior que o primeiro? Acabam por ser todos semelhantes, com idênticas qualidades e defeitos. Podem aguardar uns anos até encontrarem Now You See Me: Now You Don’t dividido em clips no Youtube, porque a criatividade continua apenas nas ideias, ou ignorar as minhas palavras e aderirem à natureza dumb fun que esta franchise presenteia. Não julgo ninguém, compreendo perfeitamente; entre os recentes blockbusters ocos, Now You See Me é dos poucos que permanece agradável e desprovido de presunção ou de efeitos visuais hediondos. Ainda assim, aproveito para recordar: quantas vezes podemos ver o mesmo truque de magia até perder a graça?
