O Filme do Minecraft existe e não podemos fazer nada acerca disso senão aceitar. Ou escrever uma crítica, que foi o que eu decidi fazer para não sentir que esta experiência foi completamente inútil para a minha vida. Para oferecer algum contexto, o meu irmão mais novo é apaixonado por Minecraft. Eu tenho pouco conhecimento sobre o jogo, apenas algumas informações básicas que captei ao assistir streamers no twitch durante a hora do almoço ou enquanto estava na sanita a criar o meu próprio filme do Minecraft. Ambos concordámos esperar que esta adaptação estreasse numa plataforma de streaming porque apesar do seu amor por esta criação e pela minha paixão por cinema, nenhum de nós queria mesmo nada lidar com o fenómeno chicken jockey, onde adolescentes, crianças e adultos que deviam estar na prisão gritam, despejam pipocas e, nuns casos, atiram galinhas para o público, tudo para o TikTok, Youtube e para a vergonha das suas famílias e descendentes. Não tenho problemas com pessoas a criar um momento social na sala de cinema, seja citar uma fala em conjunto, aplaudir ou até celebrar uma cena grandiosa mas, para mim, esta reação exagerada é um enorme desrespeito à sétima arte. Contudo, depois de assistir A Minecraft Movie, compreendo que se numa igreja rezamos, numa lixeira criamos lixo.
Como mencionado anteriormente, esta é uma adaptação do sucesso online Minecraft, um jogo situado num infinito mundo tridimensional com blocos, onde podes criar tudo o que quiseres. Sims para aventureiros. Durante quase uma década, esta produção passou de realizador para realizador, por diversos argumentistas, por artistas que abandonavam o projecto devido a diferenças criativas até o estúdio encontrar Jared Hess, responsável por Napoleon Dynamite (2004) e Nacho Libre (2006), uma voz minimamente independente com abertura suficiente para abdicar da sua visão e controlo. O realizador perfeito para A Minecraft Movie pois este é basicamente um filme da Warner Brothers; uma obra de comité sobre o poder da criatividade contra a avareza do dinheiro, desprovido de criatividade e motivado principalmente por dinheiro. Hipocrisia raramente prejudica a qualidade de um filme mas este comprimido tem o tamanho de uma mina. Nem para engolir, muito menos cuspir.
Jack Black é Steve. Aliás, nem vou tentar fingir que Steve é uma personagem, é apenas uma desculpa para Jack Black ser Jack Black. Naturalmente, como a maioria da população, adoro o actor, a sua energia, o seu entusiasmo, as suas cantigas e o seu sentido de humor. No entanto, pela primeira vez na minha vida, senti vergonha do amor que sinto por Jack Black. Aparentemente esta estrela esqueceu-se do que significa ser actor e das suas exigências, entregando uma actuação bizarra: um teatro para crianças, sem qualquer genuinidade ou crença no seu mundo. É um espectáculo de magia sem esforço para tornar a magia credível. A sua performance é um dos aspectos mais confusos pois estabelece imediatamente um ambiente de paródia, como se o filme estivesse a ridicularizar a sua própria existência. Excepto que não é o caso, nem para a consequente narrativa nem para o restante elenco. Este é o seu problema principal, A Minecraft Movie não está interessado minimamente em encontrar o seu caminho ou a sua identidade, nem sequer em estabelecer coesão emocional, sendo completamente despido do sentido de aventura ou criatividade que todos os seus jogadores possuem. Quem é Steve além de um meme ou o charme de Jack Black? Quem são estas personagens além de arquétipos? A maioria nem recebe uma jornada consistente ou uma personalidade formada. Neste sentido, é uma adaptação fiel porque o seu elenco consiste de blocos humanos.
Reparei agora que ainda nem sequer descrevi o enredo de A Minecraft Movie. É necessário? Posso simplesmente fazer copy paste da sinopse de Sonic the Hedgehog (2020), Jumanji: Welcome to the Jungle (2017), The Super Mario Bros. Movie (2023)? Um grupo de desajustados perdidos encontra o seu lugar na sociedade quando entram noutro mundo e combatem contra os seus maiores medos? Utilizam as suas forças rejeitadas na realidade para triunfar neste universo alternativo? Para descobrirem os seus verdadeiros poderes? Não sei, tudo parece meio improvisado e detalhar as falhas básicas de estrutura narrativa e do design de personagens no seu argumento implica escrever uma tese inteira. Para simplificar, temos um rapaz cuja criatividade é repelida pela escola, Henry (Sebastian Hansen), a sua irmã mais velha e guardiã que sofre com dúvidas sobre a sua aptidão para cuidar do seu irmão, Natalie (Emma Myers), Dawn (Danielle Brooks), uma agente imobiliária com um jardim zoológico no seu carro, que não sabe o que fazer da sua vida – descrever este filme é uma dor de cabeça –, e, finalmente, o arrogante dono de uma gamestore, antigo campeão de videojogos, Garrett “The Garbage Man” (Jason Momoa), um perdedor desesperado por triunfo financeiro. Eles atravessam o portal para Minecraft, onde encontram Jack Black, quero dizer, Steve, um homem experiente nesta dimensão que aceita ajudar esta estranha equipa a regressar a casa.
Inesperadamente, Jason Momoa supera o Jack Black neste filme, equilibrando uma atuação absurda com sentimento, sendo ridículo sem perder a sua genuinidade. Myers e Hansen não são maus mas as suas personagens são equivalentes a um saco de papel, oferecendo praticamente nada aos seus actores e tornando as suas performances facilmente substituíveis e com o valor de 10 cêntimos num supermercado. Brooks sente-se deslocada e minimizada; o seu papel é estar à frente de um green screen e reagir à estranheza deste universo e aos comportamentos disparatados dos seus desconhecidos companheiros masculinos, com falas genéricas para os trailers. Já mencionei que a Jennifer Coolidge participa nesta longa-metragem? Como uma mulher apaixonada por um aldeão de Minecraft – um design asqueroso, horrível, semelhante a um pénis que ganhou vida. Não importa porque o seu subenredo tem a duração deste parágrafo. O seu tempo neste filme é um short do Youtube. Totalmente irrelevante para o enredo, isento de humor e embaraçoso para todos os envolvidos. Pensando melhor, uma comparação com o TikTok é mais adequada.
Admito que existe alguma originalidade na construção destas figuras – não estava à espera que uma agente imobiliária, cuja única função foi apresentar a casa aos irmãos, integrasse a história principal –, e na coleção de seres secundários com monólogos e diálogos excêntricos, inoportunos para um blockbuster juvenil. Traços da individualidade de Jared Hess são infiltrados nesta obra genérica e medíocre, oferecendo uma leveza cartoonish ocasional que, com uma surpreendente dose de abuso infantil e tensão sexual entre Momoa e Black, uma canção que não sai da minha cabeça (Steve’s Lava Chicken), e ainda dois instantes verdadeiramente engraçados (ambos na sua conclusão), impede A Minecraft Movie de ser um colossal desastre minado. Em vez disso, é apenas um desastre minado. Ainda assim, é o segundo maior blockbuster do ano, portanto, claramente sou uma minoria.
Eu não preciso que A Minecraft Movie faça sentido lógico. Não quero saber de plotholes, de referências, de pecados cinemáticos ou inconsistências. Mas preciso que exista lógica emocional. Mesmo que as suas intenções sejam somente entreter, lógica emocional é o essencial mínimo para uma criação artística. Independentemente da dedicação de Jared Hess, do elenco, da equipa técnica ou da homenagem tocante ao falecido Youtuber Technoblade, as suas personalidades nunca encaixam no filme que a Warner Brothers deseja. Sem vida, sem visão, visualmente manhoso e aborrecido, A Minecraft Movie é um suspiro. Condenado até pelo meu irmão mais novo, apaixonado por Minecraft. Tudo o que tem para entregar é o pior meme e fenómeno cultural do ano: Chicken Jockey. Este será o seu legado: arruinar uma sala de cinema.