Butcher, Baker, Nightmare Maker caminha entre o exploitation e o slasher numa corda bamba, como um funambulista a vociferar uma doentia balada nocturna para espantar a sua audiência. O seu título alude a uma rima pueril, partilhada entre mães e filhos ou exclamada por colegas nas creches; todavia, o mais apropriado seria comparar este a uma sádica cantiga de Freddy Krueger, antes de chacinar mais um adolescente. Natural, pois o mood deste filme é propositadamente agressivo e dreamlike, similar a um conto infantil manchado por sangue, relações psicossexuais e uma pitada de munchausen by proxy by incest. O seu acting teatral, com uma performance icónica, o seu clima invulgar, onde flutuamos pelo ecrã em risos até sentirmos o pânico de não conseguirmos colocar os pés no chão, até a sua edição com ocasionais erros de continuidade enaltecem este ambiente pesadelo. O cineasta, William Asher, desfruta de cada palavra e cada instante, como um babysitter maníaco a produzir o seu próprio cenário circense, acompanhado por uma buzina que geme com cada aperto. Aliás, tenho de corrigir a introdução desta crítica. Butcher, Baker, Nightmare Maker não caminha numa corda bamba entre o exploitation e o slasher, salta à corda com ambos os subgéneros, criando uma das maiores surpresas escondidas de horror: Édipo nos tempos de Reagan.
Prestes a celebrar o seu 17º aniversário, o órfão Billy Lynch (Jimmy McNichol) aguarda ansiosamente por uma vida independente com a sua namorada, Julie Linden (Julia Duffy), e por uma possível bolsa de estudos, através das suas aptidões como jogador de basketball, para uma universidade distante da sua casa. O seu único receio é abandonar a sua tia Cheryl Roberts (Susan Tyrrell), com quem vive desde os seus 3 anos, após um explosivo acidente de viação (com a graciosidade de Final Destination 2, 2003) provocar a morte dos seus pais. Ela é uma mulher solteira, solitária e excessivamente apegada ao seu sobrinho, por quem demonstra estranhos sentimentos – o típico comportamento de quem fica presa numa máquina de lavar roupa enquanto exclama por ajuda. Apesar da sua conexão estilo Maias, Billy permanece relativamente ingénuo em relação à sua tia, acorrentado a uma sensação de culpa, consciente que esta dedicou mais de uma década no seu crescimento.
Contudo, o público, juntamente com os criadores responsáveis pelo filme, não carregam idêntica inocência. Se o imediato tenebroso freeze frame no rosto de Cheryl ou a sua atitude dominante e ciumenta perante o jovial sobrinho meio despido durante o primeiro acto é insuficiente para convencer o espectador do seu perigo narrativo, a performance da actriz retira qualquer dúvida, expandindo todas estas red flags até cobrirem os cenários – Tyrrell fabrica tapetes, cortinados, lençóis, constrói uma mobília inteiramente encarnada com a sua incrível atuação; exagerada e memorável sem perder a sua credibilidade. Num universo justo, a sua representação seria colocada nas listas dos maiores antagonistas da sétima arte, igualmente divertida de presenciar como assustadora de experienciar – até a sua maneira de comer um bife é hipnotizante. A sua excelente prestação é também assistida por um argumento que nunca tenta disfarçar as intenções peculiares desta personagem, revelando rapidamente a sua natureza manipulativa e malévola, particularmente quando esta família enfrenta o agressivo (e intensamente irritante, quase roça a paródia) detective Joe Carson (Bo Svenson), absolutamente fixado no adolescente Billy, com um profundo ódio muito específico.
Nightmare Maker faz malabarismo com as expectativas do público, fincadas no cinema da sua época, um cinema que reflectia uma sociedade revestida de brutalidade mascarada como protecção e uma infundada sensação de sustento e segurança. Os agentes da polícia e detectives são incompetentes e incapazes de observar além do seu racismo, sexismo, xenofobia e, principalmente, homofobia, invés de serem como os habituais heróis retratados nos blockbusters dos anos 80, preocupados com as vítimas e determinados a salvar o mundo. O papel materno é um de amor suspeito, com duplas intenções, neste caso sexuais, um que pretende possuir o corpo, manter este confinado a um destino pré-programado. Aqui, somos desarmados por uma atmosfera instável à beira de disparar uma bala ou de um orgasmo.
A sua premissa pode libertar uma ideia de trashy horror, e é necessário apontar que o próprio filme diverte-se nessa lixeira, mas o seu texto é rico em temáticas fascinantes, pertinentes para a sua estreia e para a nossa actualidade. Como uma perversa homofobia que invade instituições, infectando figuras cuja função implica confiança e refúgio, e provocando uma impressão de constante medo e cepticismo nos nossos supostos superiores. Aproveito para mencionar que Butcher, Baker, Nightmare Maker foi das primeiras longas-metragens com uma representação gay positiva – o único homem decente nesta obra, com genuíno interesse no bem-estar de Billy.
Obviamente, este filme nunca iria conseguir alcançar o sucesso de Nightmare on Elm Street (1984), Psycho (1960) ou Friday the 13th (1980), o seu alvo sempre foram os fanáticos, deliciados por exploitation. A sua estética impede uma ambição audiovisual e a sua conclusão súbita retira-lhe o impacto de um clássico. No entanto, a sua perspectiva avançada para a época, a sua alegoria de um país decidido a prejudicar os seus jovens com a ilusão de conforto e infantilização, e a sua inversão do cliché da “final girl” elevam o seu estatuto e transformam esta história desconhecida (em comparação com os clássicos referidos) numa balada que merece ser ouvida. Simplesmente evitem rimar com os vossos pais.