Le Deuxième Acte, com a assinatura de Quentin Dupieux, foi o filme de abertura do festival de Cannes em 2024 e conta a simples história de Florence (Léa Seydoux), uma mulher que quer apresentar David (Louis Garrel), o homem por quem está perdidamente apaixonada, a seu pai, Guillaume (Vincent Lindon) e, portanto, organizam um encontro num restaurante numa localidade remota. Porém, não sendo este amor correspondido, David leva o seu amigo Willy (Raphaël Quenard), na esperança que este conquiste a atenção de Florence e, essencialmente, o deixe em paz e sossego. Entre conflitos e momentos inesperados, navegamos por discussões sobre a vida, passado, futuro e algumas, ou até várias, pitadas de sátira em relação a tudo que envolve a produção de um filme, onde nem o próprio realizador fica a salvo.
O filme tem apenas 1h20 de duração e isso é relevante devido à quantidade de temas que o realizador tenta abordar. Passamos por discussões sobre a importância da arte num mundo a afundar-se no caos; o papel da IA nas produções artísticas; a questão do cancelamento, onde uma frase pode ditar o fim de carreira de certas personalidades; o ator que tem o amor do público mas que no set de filmagens é um completo terror, e assim por diante.
Se é verdade que o carisma e talento dos quatro atores consegue mascarar a falta de profundidade aplicada a cada ideia, também é verdade que as munições são limitadas para a quantidade de alvos a abater, o que faz com que se crie uma rápida sensação de desgaste da fórmula, mesmo sendo original. Este desgaste surge quase como uma contradição da própria estrutura narrativa, tendo em conta a repetição de piadas na sua curta duração, e tendo em conta que a maneira escolhida para abordar cada tema faz com que o destino de cada cena seja, no final de contas, previsível.
Dito isto, até gostei bastante do filme. Em vários momentos consegue surpreender e em outros momentos consegue criar uma boa sensação de desconforto e até roubar um sorriso. Durante grande parte da duração, Dupieux brinca connosco e não temos bem a certeza de quando o realizador está a quebrar a quarta parede ou a contar uma história individual, o que torna a experiência, pelo menos até certo ponto, mais envolvente. A dinâmica dos quatro atores é também contagiante, mascarando algumas fragilidades do argumento, e puxando a nossa atenção para as contracurvas.
Resumindo Le Deuxième Acte, é como se estivéssemos num carro, a conduzir naquelas estradas serpentes, nas montanhas. Sabemos que existe uma curva e uma contracurva no caminho mas não temos bem a certeza do que realmente está do outro lado. Faz da viagem bonita e engraçada, mas às vezes provoca alguns enjoos.
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[…] de inaugurar o Festival de Cannes em 2024 com Le Deuxième Acte (2024) e de apresentar o megalómano Daaaaaalí! (2023), com exatamente este número […]