Cá Dentro (2020)

de Pedro Ginja

Existem segredos em cada um de nós. Por muita convivência que tenhamos com alguém, existem partes de nós que queremos manter longe de vista de quem connosco se cruza. Se formos abençoados teremos uma ou outra pessoa que saiba um pouco mais, mas o momento de partilha é sempre um de risco. Mais do que o segredo revelado são, muitas vezes, as ideias pré-concebidas que temos de alguém que nos levam ao julgamento e à condenação da pessoa. Por outro lado, a sua ocultação poderá, lentamente, corroer os alicerces do ego e os valores morais que nos regem. A eterna espada de dois gumes.

Cá Dentro, uma curta-metragem de Tiago Pimentel, explora esta dicotomia com o encontro íntimo, num quarto de hotel entre um homem e uma mulher. Um segredo parece pairar entre eles. Poderá a verdade libertar os demónios que os atormentam? Esta é a premissa que Cá Dentro explora nos seus 16 minutos de duração.

O argumento, escrito por Tiago Pimentel e António Miguel Pereira, revela lentamente o que cada uma das suas personagens representa para a história. Nenhuma das suas personagens revela a sua “voz”; a narração fica a cargo de uma voz omnipresente, para o bem e para o mal, que permite-nos acompanhar facilmente a narrativa e criar a nossa própria história. Mas, com as constantes explicações e sentimentos declarados, de cada uma das personagens, acaba por apenas nos deixar um caminho disponível para escolher, no emaranhado psicológico que esta curta se poderia ter tornado. Os actores Sara Rio Frio e Ruben Garcia brilham quando nos revelam pequenos detalhes e microexpressões durante este “ritual” que a narrativa intui. Há familiaridade entre eles mas também uma distância difícil de quantificar. Já nos momentos mais íntimos notam-se travões na intensidade colocada, que nunca se percebe se são impostos pelo argumento ou impostos inconscientemente pelos actores, e que diminuem o impacto sobre o espectador.

A fotografia é belíssima, com um excelente equilíbrio entre a luz e sombra, dentro do quarto de hotel e, igualmente, no que nos revela dos corpos, toques e momentos partilhados entre ambos. Há aqui a formação de uma energia de desejo/repulsão impactante entre o homem e a mulher, potenciada pela edição fluída, na maneira como alterna os diferentes momentos chave da história e os planos de corte escolhidos. Nada parece gratuito, mas sim essencial, para o desenrolar da narrativa. Também o design sonoro contribuí, e muito, para manter o espectador investido na viagem das suas personagens. Já a banda sonora parece demasiado genérica e é apenas usada para preencher o espaço sonoro. Uma das sequências tem inclusivamente uma música que surge deslocada e parece pertencer a outro filme, distraindo do sentimento que queria invocar.

Cá Dentro é um triunfo a nível técnico mas demasiado literal e explicativo na maneira como revela, com um suspense bem medido, o caminho que a narrativa quer percorrer. Não deixa, no entanto, de ser mais um excelente cartão de visita para Tiago Pimentel, num possível renascimento do cinema comercial português. Bem que precisamos de um arauto que o consiga ressuscitar.

3/5
0 comentário
2

Related News

Deixa Um Comentário