A segunda temporada de Rabo de Peixe chega à Netflix com mais meios e uma ambição clara de elevar o padrão da produção portuguesa no streaming. Nota-se logo que há outro ritmo, outro tipo de filmagem e um olhar mais internacional. Ainda assim, tal como aconteceu na temporada de estreia (2023), a série volta a tropeçar na falta de profundidade narrativa. Depois do êxito inesperado, e até mundial, da primeira temporada, inspirada no famoso caso real da droga encontrada na costa açoriana em 2001, havia a expectativa de ver a história crescer para além da ilha, explorando o “sonho americano” deixado em aberto no final anterior. O que poderia ter sido uma expansão natural, e até um regresso triunfal à ilha, transforma-se num desvio apressado que perde o rumo logo no primeiro episódio.
É inegável que a 2ª temporada está tecnicamente superior. A fotografia, os efeitos visuais e a montagem refletem o selo Netflix, com melhor imagem, mais detalhe e um tratamento visual mais cuidado. O CGI, pouco comum em produções portuguesas, está competente e dá outro brilho a certas sequências. Também o som e a direção artística revelam mais investimento e ambição. No entanto, quando todos os meios e ingredientes estão reunidos para um grande prato e o texto sai insosso, o resultado é inevitavelmente desequilibrado.
O enredo é situado imediatamente após os acontecimentos da primeira temporada e parte da promessa de deixar Rabo de Peixe para trás. Há o desejo de sair, recomeçar e “chegar à América”, mas também de fugir aos fantasmas deixados pela droga. Essa linha narrativa, contudo, é resolvida demasiado depressa e sem o impacto que se esperava. A história arranca com Eduardo (José Condessa) de regresso a Rabo de Peixe, três meses após a partida, onde encontra uma realidade diferente: as drogas mudaram de mãos e as amizades são postas à prova por novos inimigos. Ainda assim, o enredo rapidamente se acomoda numa estrutura previsível e pouco inspirada, incapaz de desenvolver o potencial das suas próprias premissas. Falta-lhe arrojo e capacidade de se reinventar.
O talento continua a ser um dos pontos fortes do elenco. Albano Jerónimo (Arruda), Pêpê Rapazote (Uncle Joe) e Afonso Pimentel (Ian) mantêm interpretações sólidas e são, de novo, o que sustenta a série quando o enredo vacila. Condessa volta a entregar-se ao papel principal, mas o desempenho continua algo forçado. Helena Caldeira (Sílvia) mantém-se competente no papel, mas a personagem parece pouco desenvolvida e acaba por não ter o impacto emocional que poderia. Já André Leitão (Carlinhos) confirma-se como uma das figuras mais naturais e carismáticas da produção, trazendo humor e leveza nos momentos certos. Rodrigo Tomás (Rafael) mostra segurança e maturidade, enquanto Salvador Martinha (Francisco), com o seu humor característico, acrescenta ritmo e personalidade. Entre as novas caras, José Raposo (Orlando) tem presença e força, mostrando porque continua a ser um dos grandes nomes do audiovisual português.
Apesar de alguns momentos de comédia bem conseguidos e de participações que funcionam como homenagem a figuras queridas da televisão portuguesa, o ritmo da série só ganha alguma energia por volta do quarto episódio. A breve passagem pelo cenário americano no início é curiosa, mas pouco convincente, e a tentativa de abrir o horizonte internacional não acrescenta muito ao argumento. Já a introdução de novos antagonistas brasileiros, liderados por Paolla Oliveira como Otélia, traz dinamismo e algum perigo, embora acabe por cair na repetição do que já foi feito antes.
A segunda temporada de Rabo de Peixe confirma-se como um produto tecnicamente competente, mas emocionalmente vazio. Há qualidade de produção e um elenco de luxo, mas falta risco, identidade e, acima de tudo, desenvolvimento. A promessa de evolução e continuação dá lugar a um enredo básico, que termina de forma previsível e deixa em aberto uma terceira temporada com um rumo ainda menos promissor. Um caso em que o mar é grande, mas o mergulho continua à tona.
