Crítica | Nuremberg (2025)

de Tomás Salavessa

Nuremberg lembra que o cinema não serve apenas para entreter. Serve para confrontar, abrir feridas e impedir que a História se torne confortável. James Vanderbilt realiza uma obra poderosa, emocional e historicamente rigorosa, sem suavizar o que não deve ser suavizado.

O filme começa em 1945. Hitler morreu, o Terceiro Reich caiu e os Aliados enfrentam algo nunca antes visto: criar jurisprudência e julgar crimes de guerra que ultrapassam qualquer definição existente. Entre os nazis capturados está Hermann Göring (Russell Crowe), não apenas mais um soldado do regime, mas o número 2 de Hitler, o sucessor natural do regime e a figura mais poderosa do partido ainda viva. Cabe ao psiquiatra norte-americano Douglas Kelley (Rami Malek) garantir que os detidos não se suicidam antes do julgamento e analisar os seus comportamentos e padrões mentais ao longo do processo.

Kelley aproxima-se de Göring para cumprir o seu trabalho, mas rapidamente encontra no prisioneiro um desafio psicológico e perturbador. Göring é inteligente, manipulador e perigosamente carismático. Sabe como falar para agradar, virar narrativas e justificar o injustificável com uma lógica quase impecável. O filme constrói assim um duelo silencioso entre alguém que tenta compreender a natureza do mal e alguém que a praticou sem hesitação.

Russell Crowe está absolutamente extraordinário. Dá a Göring uma presença que simultaneamente atrai e repulsa, e é impossível não sentir desconforto quando ele tenta racionalizar o nazismo como se fosse apenas “estratégia militar”. Rami Malek está competente e intenso, com momentos fortes, mesmo que a sombra de Freddie Mercury ainda seja difícil de separar da sua imagem.

A violência de Nuremberg não está apenas no que se vê. Está no que se ouve: nos relatos, nas descrições factuais, nos detalhes históricos reais que atingem o espectador com murros no estômago. Existem imagens duras, gráficas e chocantes sem rodeios. Ninguém sai indiferente, e talvez ninguém deva. Porque fingir que o horror não existiu é sempre o primeiro passo para o repetir.

O maior mérito do filme é recusar o conforto de transformar nazis em monstros imaginários. Vanderbilt filma-os como seres humanos e isso é precisamente o que torna tudo tão perturbador. O mal não aparece com máscaras. Aparece com argumentos, racionalidade e rostos. Confronta o público com a verdade de que o mal é humano e nasce de escolhas humanas.

Nuremberg é fiel ao período: frio, cinzento, áspero, com uma fotografia que retira qualquer vestígio de glamour e obriga o espectador a encarar a realidade sem distrações. Não acelera, não suaviza, nem tenta entreter. É duro porque precisa de ser duro. No fim, recorda que a justiça só existe quando acompanhada de memória. Os julgamentos não serviram apenas para punir, mas para impedir que alguém no futuro pudesse dizer “não sabia”. Num tempo em que discursos de ódio, revisionismo e populismo voltam a crescer, este filme é mais do que cinema, é um aviso necessário e urgente.

É um filme que nem todos vão conseguir ver, mas que todos deviam ver.

5/5
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