“Os filmes modernos começam aqui.” – decreta o eterno crítico de cinema Roger Ebert, sobre uma modesta produção parisiense dos anos 60’, coroando-a como um dos eixos centrais do cânone cinematográfico. Tal afirmação, apoiada por um consenso crítico e académico, posiciona Breathless, ou À Bout de Souffle (1960) para quem esteve atento às aulas de francês do 7º ano, num panteão possivelmente apenas partilhado com Citizen Kane (1941), enquanto obras ímpares que romperam de tal forma com os dogmas do cinema clássico que construíram uma nova era na sétima arte. O mais recente filme de Richard Linklater, Nouvelle Vague, ambiciona contar a história da sua criação.
Apesar de não ser a primeira obra do movimento artístico que dá nome ao filme, sendo esse mérito geralmente atribuído a Le Beau Serge (1958) de Claude Chabrol, o filme inaugural de Jean-Luc Godard constitui-se enquanto símbolo máximo da Nouvelle Vague francesa, impulsionando uma revolução total na linguagem cinematográfica através da rejeição de narrativas e argumentos estruturados, aposta em montagens irregulares e em cenários reais, procurando pensar o cinema através da sua conceção.
Linklater transporta a audiência para Paris da década de 60’, mostrando-nos em detalhe a criação de À Bout de Souffle de Godard (Guillaume Marbeck), homenageando, em paralelo, os intervenientes no movimento como Truffaut (Adrien Rouyard), Chabrol (Antoine Besson) ou Coutard (Matthieu Penchinat), assinalando os principais obstáculos à produção de cinema independente e a criatividade utilizada para contornar os mesmos, possibilitando transpor para o grande ecrã uma fotografia fiel da realidade parisiense e a afirmação da identidade autoral dos seus realizadores.
Para atingir este efeito, Linklater procura alinhar esteticamente a sua obra ao elemento de estudo, apostando numa fotografia a preto e branco e um aspect ratio de 4:3 de modo a replicar a imagem obtida na obra de Godard. De igual modo, as características físicas do elenco e guarda-roupa utilizado apresentam um cuidado redobrado com a forma do filme, permitindo uma imersão suave na ação. Adicionalmente, à semelhança do realizador, o par romântico, Jean Seberg (Zoey Deutch) e Jean-Paul Belmondo (Aubry Dullin), parece ter sido transportado diretamente de À Bout de Souffle para o seu making-of, conferindo à obra uma certa sensação documental.
Contudo, os restantes elementos formais carecem do desejo de revolução sentido em À Bout de Souffle e em muitos outros filmes da Nouvelle Vague. Linklater, que já provou o seu fascínio pela disrupção em obras como Boyhood (2014), mostra-se surpreendentemente conservador na sua abordagem. A movimentação de câmara, a mise-en-scène e a sonoplastia revelam-se funcionais, complementadas com uma montagem praticamente invisível que permite o acompanhamento de uma narrativa simples e coerente, aparentando uma maior proximidade aos filmes do cinéma de qualité que estes realizadores franceses desejavam fortemente substituir do que propriamente com as obras que se propôs a homenagear. Nesse sentido, a obra funcionará melhor como uma introdução à Nouvelle Vague e ao cinema de Jean-Luc Godard do que propriamente uma homenagem à herança deste movimento.
O argumento, porém, apresenta-se como a componente mais forte da obra, instalando uma leveza que vai ampliando a receção dos elementos humorísticos apresentados pelo elenco. A disrupção sentida entre a rebeldia de Godard no processo de filmagens e a hesitação espelhada na restante equipa de realização, ilustra eficazmente o contraste entre este novo manifesto artístico e a realidade até então praticada, abrindo um espaço para conciliação que eleva o envolvimento na narrativa.
Nouvelle Vague ambiciona capitalizar com um dos movimentos mais influentes da história do cinema, mas falha em entender que neste não se efetivou apenas uma revolução estética, mas também cultural e política. Assim, resta pouco mais que uma casca formal sem o peso da sua herança, incapaz de explicar todas as ramificações do seu impacto e relevância histórica.