Crítica | Chainsaw Man – The Movie: Reze Arc (2025)

de João Iria

Lord Chainsaw! Lord Chainsaw! Lord Chainsaw! Magnífico! Magnífico! Magnífico!

Chainsaw Man: The Movie – Reze Arc é uma explosão de sangue e lágrimas, uma bomba que irrompe pelo cinema como um arco-íris de carnificina, tesão e tristeza. É um dos melhores filmes do ano! É um dos melhores romances na sétima arte. Quem diria que uma obra sobre um Homem Motosserra a cavalgar um Tubarão Demónio por edifícios a explodir seria uma história profundamente melancólica capaz de rivalizar o amor de When Harry Met Sally (1989)? When Chainsaw Met Bomb.

Eis a continuação da série de anime Chainsaw Man (2022) – uma das minhas favoritas desta década. Para quem desconhece, esta criação de Tatsuki Fujimoto segue Denji (voz de Kikunosuke Toya), um jovem de 16 anos metade homem, metade demónio motosserra, que trabalha para uma agência do governo, liderada pela misteriosa Makima (voz de Tomori Kusunoki), como Devil Hunter. Neste emprego, é acompanhado pelo seu superior, o ser humano Aki (voz de Shôgo Sakata) – determinado a obter vingança contra o Demónio Pistola, o mais poderoso destas criaturas que demonstra interesse no coração de Chainsaw, e pela demónio do sangue, Power (voz de Ai Fairouz) – um ser egomaníaco e egoísta, forçada a caçar a sua espécie para sobreviver. Denji sempre viveu na miséria, com a única ambição de simplesmente comer um pequeno-almoço. Agora, apesar de todos o quererem matar, tudo melhorou. Supostamente, pois o jovem permanece emocionalmente perdido. “Achas que tenho um coração?” pergunta Denji a Makima – a sua paixão fútil –, com dúvidas acerca da sua humanidade.

Basicamente, este é um filme sobre o coração de Denji em conflito com o coração de Chainsaw, de um demónio. Quando conhece Reze (voz de Reina Ueda), uma jovem entusiástica que encara a sua estranheza como divertida, é uma verdadeira confirmação do seu batimento cardíaco. Ambos partilham uma conexão única, apaixonante. Reze exibe uma forma de compaixão veraz que o rapaz nunca experienciou nas pessoas dentro da sua bolha, incluindo Makima, que o encara como um animal de estimação – neste caso, como um rato. A sua mente afirma estar apaixonado por Makima e Reze, contudo, o seu corpo comprova o seu genuíno amor principal. Tudo parece perfeito até encontrar o Demónio Bomba, que irrompe numa batalha épica de animação orgásmica, para roubar (literalmente) o coração de Denji.

A extraordinária animação – que durante o primeiro acto é paciente e ponderariva, enquanto explora o carinho crescente destes protagonistas – explode numa frenética guerra que consome a cidade e os seus habitantes, uma reflexão dos desejos apagados juvenis destas personagens para aderirem a uma vida adulta, uma contra as suas vontades, que participam por um sentido de obrigação. Reze recorda que Denji é apenas um míudo, que devia estar na escola, a estudar e a criar amizades. É a primeira vez que alguém reconhece a sua idade, num contexto de empatia. Contudo, aqui está o jovem a arriscar a sua vida enquanto destrói edíficios corporativos. São deslumbrantes sequências de acção nonstop repletas de personalidade, gargalhadas e significado metafórico, viajando por estilos artísticos desde o impressionismo, ao surrealismo e até revelando traços de cubismo. Esta ejaculação de visuais e noise, com potência suficiente para rebentar o cérebro e derreter os nossos olhos, é aliada a um design de som pesado, todavia delicado e afiado – capaz de esventrar os nossos orgãos sem repararmos no que acabou de acontecer –, e a uma fantástica banda sonora de Kensuke Ushio (o maior) que transforma este mundo absurdo e extremo numa fábula formosa invadida pelo horror da discoteca sangrenta de Blade (1998).

Apesar do meu amor, reconheço onde a serra pára de funcionar e onde o machado narrativo entra a matar. Reze Arc é uma das únicas continuações de séries de anime para o cinema que realmente funciona como uma história contida, que sente-se verdadeiramente como um filme – com uma estrutura de 3 actos, com jornadas emocionais importantes para o desenvolvimento do seu elenco –, invés de como os últimos 5 episódios de uma temporada, com a adição de incessantes diálogos de exposição – para actualizar o público que está a acompanhar os geeks – e flashbacks desnecessários que quebram o ritmo dramático. Chainsaw Man – The Movie evita estes aspectos (felizmente), oferecendo somente o essencial para quem está disposto a alinhar nesta jornada demente. No entanto, perde inevitavelmente algum do seu impacto sentimental para os espectadores desconhecidos: subenredos sobressaem como subdesenvolvidos e personagens secundárias provocam demasiadas dúvidas distrativas. Ainda assim, o que importa esta confusão quando o nosso corpo continua a mexer?

Reze Arc é extraordinário porque atrás da violência, da sexualidade e da insanidade existe uma história profunda sobre inocência perdida e o poder regenerativo do amor. É um romance. Um romance brutalmente poético, mágico e fatídico que envolve um homem motosserra a calvagar um Tubarão Demónio por prédios a explodirem, durante um tufão – estou a repetir-me mas é necessário porque é precisamente esta combinação de loucura e alma que eleva Chainsaw Man além do seu conceito banal dentro do universo de animes e mangas, uma moda meio cansativa no Japão com excessivas criações sobre caçar demónios. Fujimoto ultrapassa os seus contemporâneos ao explorar este mundo sem receio de afastar audiências, aprofundando os clichés dos shōnens. Personalidades são ocasionalmente detestáveis (sempre fascinantes), pessoas com feridas impossíveis de cicatrizar manifestam as suas dores, a sua tristeza e sofrimento através de vícios; de violência e sexualidade – ambas retratadas com significado, com propósito além de satisfazer os fanboys excitados por sangue e mamas. Chainsaw Man atribui significado ao sangue e às mamas. O maior exemplo está no contraste entre a nudez imaginada por Denji e a nudez que ele encara na realidade – o momento da piscina é uma representação perfeita de paixão juvenil, de entregarmos as nossas vidas a outra pessoa. A sua estranheza funciona porque nunca se esquece de ter um coração. O autor e o realizador Tatsuya Yoshihara compreendem que a felicidade é como uma granada de mão sem uma cavilha. Esta é a sua tragédia. Uma flor não sobrevive contra uma bomba.

Mas Chainsaw Man – The Movie: Reze Arc sobrevive.

Após uma introdução musical, durante os primeiros minutos, Makima e Denji decidem fazer uma maratona de filmes em diversas salas de cinema. O rapaz parece aborrecido com tudo o que encontra, desde blockbusters claramente influenciados pelo universo da Marvel, passando por longas-metragens de romance, terror e melodramas. Nada consegue afectar-lhe. Até ser surpreendido por um filme soviético, sem público, sem ninguém interessado. Envergonhado, começa a chorar. Nem o jovem compreende o motivo das suas lágrimas ou da sua paixão pela obra que está a experienciar mas simplesmente sente tudo. Obviamente, Reze Arc não é Tarkovsky mas existem ideias presentes reminiscentes do celebrado cineasta. Mais importante do que isso, é um filme que me fez sentir tudo.

4.5/5
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