Crítica | Felp – 1ª Temporada (2025)

de Antony Sousa

Ajudem! Os bonecos precisam da nossa ajuda! Não, não é o próximo último filme do Toy Story, mas sim a 1ª temporada da série, Felp. Depois do sucesso de Pôr do Sol (2021-2022), que até levou a fórmula para o grande ecrã, eis que estreia a tão aguardada nova criação da Coyote Vadio, com realização de Manuel Pureza. Podem esperar o mesmo nonsense, a mesmo frequência de piadas e novas personagens que serão clássicos instantâneos da televisão portuguesa.

Quando a comunidade de bonecos se sente ameaçada por uma corrente de raptos, toda a solidariedade humana é bem-vinda. O problema é que nos momentos de maior dificuldade de uma minoria é que se vê o quanto a maioria a despreza, deixando a comunidade BMFP (bonecos, marionetes, fantoches e peluches) entregue a si mesma para se proteger. E dessa necessidade nasce FELP (Frente Espetacular pela Liberdade Peluda), na tentativa de sensibilizar pessoas para a realidade precária dos seres de pelo, algodão e esferovite.

Este universo construído pelos mesmos autores de Pôr do Sol é felpudo, fofinho, parvo e absurdo que chegue para cativar quem se revê nesta descrição. Começa com a mensagem subliminar de luta contra a descriminação bem presente, no entanto, rapidamente nos relembra que para percebermos uma mensagem de carácter urgente e actual não precisamos de levar com uma coça dramática. Tal pode ser entendido através de muito humor, sendo que as inúmeras gargalhadas que nada têm a ver com o tema principal não nos retiram do objectivo central, deixam-nos mais próximos da vontade de convivermos com este mundo. É lógico que nem todas as piadas vão cair no gosto de todo o público, até porque há muitos tópicos específicos que são explorados, mais focados na região de Lisboa, por exemplo, contudo é extraordinária a amálgama de referências populares usadas em prol da gargalhada. Festivais de música, teorias da conspiração, estereótipos, e até um episódio marcante do treinador de futebol Toni no Irão servem de inspiração para diversas cenas delirantes na série.

O elenco diverte-se à boleia da liberdade que lhes é concedida para brincarem com o material que têm à disposição, material esse que é um bombom com sabor a comédia nonsense, portanto um sabor raramente à disposição na televisão portuguesa. Rui Melo volta a construir uma personagem icónica, roubando as cenas por onde aparece, deixando-nos com um sorriso maroto sempre que vislumbramos um novo momento com o seu Paulo da polícia judiciária. Apesar desse destaque inevitável, só é possível a performance atingir patamares hilariantes devido à perfeita simbiose com o trabalho da actriz Diana Nicolau, que carrega o papel, por norma mais ingrato, de ser a pessoa mais séria da dupla, sem que isso implique que não tenha momentos fora da caixa notavelmente em sintonia com o tom da série. Este duo policial abre até espaço para no nosso imaginário desejarmos um spin off com os mesmos a liderarem a trama!

Todo o restante elenco eleva o nível geral de Felp para o que os fãs de Pôr do Sol mais ansiavam, passando pelo brilhante trabalho de voz off realizado pelos actores cuja personagem é um boneco, nomeadamente Cristovão Campos, Romeu Vala, Rita Tristão da Silva, Miguel Raposo, Samuel Alves e Susana Blazer, pelo advogado absolutamente incompetente do Diogo Morgado, pelo pobre Arlindo do Pedro Diogo, não esquecendo os laivos de genialidade de Rodrigo Saraivo com o seu Fred, obcecado com teorias da conspiração e de João Craveiro com o seu desconcertante Rito, informador mais sincero da história dos informadores ilegais. Como cereja no topo do bolo importa também sublinhar a maravilhosa Anabela Moreira que criou uma antagonista inesquecível.

O final desta 1ª temporada indica-nos isso mesmo, que esta é apenas a 1ª temporada e que podemos seguramente esperar por uma segunda, sendo, talvez, esse um dos poucos aspectos menos positivos da série, já que acaba como qualquer outro episódio, sem um gancho que nos deixe em frenesim para sabermos a data em que teremos oportunidade de conhecer a continuação desta história. Ainda assim, certamente serão muitas as pessoas (eu incluído) que quando essa data chegar lá estarão em frente ao ecrã para acompanhar mais capítulos desta bonecada deliciosamente irreverente. Até porque não é todos os dias que podemos apreciar uma escrita tão descomplexada, aguçada e que não se leva demasiado a sério. E que falta isso nos faz!

Total crédito para a equipa de argumentistas e criativos: Manuel Pureza, Rui Melo, Henrique Dias, Patrícia Castanheira, Pedro Ferreira, Roberto Pereira e Filipe Santos. Que necessário é rir com vontade e criar empatia com problemas diferentes dos nossos. Às vezes, a forma mais eficaz de fazerem com que nos coloquemos no lugar do outro é alterando a nossa perspectiva de realidade, onde de repente parece ridículo e risível desvalorizar, maltratar e não ouvir uma minoria de bonecos, quando se pensarmos bem, os bonecos representam nada mais nada menos do que outras minorias que existem no nosso mundo e que são diariamente desvalorizadas, maltratadas e ignoradas.

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