Ainda não assentou a poeira da última adaptação de Stephen King para o cinema, com The Monkey (2025), e já temos mais uma das suas inúmeras short stories, The Life of Chuck. Injustamente conhecido apenas como um mestre no terror, sempre foi capaz, nas suas obras, de lhe juntar um lado emocional e de profundo humanismo. Basta relembrar The Green Mile (1999), com o doce gigante John Coffey, interpretado pelo saudoso Michael Clarke Duncan, e o icónico The Shawshank Redemption (1994), onde Zihuatanejo não era uma miragem mas um sonho alcançável para Andy e Red.
Nem todas as cenas presentes nos filmes, adaptados da sua obra, têm tradução literal nas palavras de Stephen King, o que tem granjeado do autor tanto elogios rasgados, por exemplo ao já citado The Shawshank Redemption de Frank Darabont ou a Stand By Me (1986) de Rob Reiner, mas também críticas ferozes a outros como The Shining (1980) de Stanley Kubrick ou a The Lawnmower Man (1992) de Brett Leonard, no qual chegou ao ponto de processar a produção para remover o seu nome do material de promoção do filme.
Não é por isso estranho ver Mike Flanagan, conhecido quase exclusivamente no género de terror, a abraçar algo diferente do seu género de eleição. The Life of Chuck conta a história, em três actos, de um homem chamado Charles Krantz (Tom Hiddleston). Uma vida longe de ser extraordinária mas que se revela, aos poucos, como inspiração para todos os que o rodeiam. Uma ode à beleza das coisas simples da vida e da humanidade escondida nos pequenos gestos invisíveis ao olhar.
Seria prejudicial dar muitos mais pormenores sobre o mais recente filme de Mike Flanagan na sinopse sem estragar as bonitas surpresas que encerra. Aliás, quanto menos se souber sobre do que se trata, os géneros cinematográficos pelos quais deambula ou as diversas histórias que partilha, maior será o impacto emocional descarregado sobre o espectador.
O argumento explora inteligentemente, desde o início, esse desconhecimento sobre quem é Charles Krantz. De um prólogo inicial, onde a incredulidade sobre a relevância deste indivíduo perante eventos que ameaçam todo o mundo, é o ponto de partida para o espectador começar a criar as suas próprias teorias sobre quem é realmente Chuck. É um ambiente pesado que, inteligentemente, segue quase à risca a estrutura do conto escrito por King. O desmoronar do mundo e da humanidade é a dura introdução deixada ao espectador, carente agora de uma réstia de esperança e de um sentido para a vida. Essa montanha-russa de emoções, no qual o filme nos conduz, só é possível quando, nos capítulos seguintes começamos a conhecer o nosso herói. Tom Hiddleston é apenas um dos vértices do triângulo, que é também preenchido por Benjamin Pajak e Jacob Tremblay, este ultimo em bastante menor medida. Todos eles representam Charles Krantz em momentos-chave da sua vida. A estrutura temporal caótica do conto de King é também replicada e revela-se confusa e desequilibrada.
Para além de um constante uso de música como muleta emocional, há um exagero gritante no uso de narração para explicar tudo, mas mesmo tudo o que Charles Krantz e os que o rodeiam sentem. Parece que caminha para descambar no ridículo e no martelar dos chavões da beleza da vida e da importância de cada indivíduo. Isto seria a única verdade, num mundo repleto de cinismo, mas consegue também invocar a qualidade invisível que partilha com o belíssimo The Shawshank Redemption, também ele refém dos mesmos problemas, uma inabalável torrente de esperança e a profunda alegria com que nos envolve. Desde a exaltação da arte, com deliciosos e inesperados momentos de dança, ou da multitude de sentimentos presentes numa curta frase de um poema icónico de Walt Whitman, até à glorificação da ciência, com a verdade que apenas a matemática pode trazer, e o poder avassalador do tempo sempre pronto a mostrar-nos a nossa pequenez, perante a imensidão do universo. Da simplicidade de pequenos conceitos o argumento consegue retirar muita emoção e envolver o espectador na saga de Charles Krantz. Tom Hiddleston é parte fundamental desta equação, omnipresente, mesmo quando está ausente de cena e impossível de desviar o olhar quando nos agracia com a sua presença. A única crítica será o quão pouco realista é Hiddleston como cidadão comum, quando a sua presença comanda tanta atenção, mas realmente este não é um filme realista mas uma fantasia humanista sobre a importância de cada um de nós. Sobre Benjamin Pajak, apesar dos excelentes dotes na pista de dança, não partilha do carisma de Hiddleston e Jacob Tremblay, muito sub-aproveitado, quase sem tempo para registrar presença no pequeníssimo segmento do início da vida adulta de Charles Krantz.
Impossível destacar qualquer um dos restantes secundários, todos relevantes e emocionais, no pouco tempo que o argumento tem para cada um deles. Formam uma espécie de teia e um exemplo do universo que, cada um de nós, cria no nosso tempo passado neste planeta. Destaque, no entanto, para o tratamento de som do filme, perfeito no modo como manipula as emoções do espectador. O mesmo se sente na banda sonora no poder manipulativo, da autoria dos The Newton Brothers, mas que, neste caso, sentimos já ter ouvido em outros filmes. A nível visual tem os seus momentos impressionantes mas acaba por se ficar apenas pelo competente e seguro, e onde não se sente uma identidade marcada. Muito similar a uma sucessão de curtas separadas como capítulos de um livro, o objectivo pretendido imagino, mas que prejudica a coesão narrativa.
The Life of Chuck é, como a vida que pretende emular, uma sucessão caótica de eventos, momentos e de sentimentos contraditórios difíceis de definir. A impossibilidade de o categorizar cria o risco real de ser incompreendido e esquecido perante a avalanche de estreias e a crise de humanismo que assola o mundo. Charles Krantz, ou Chuck como é carinhosamente tratado, é um farol de esperança, um arauto do cidadão comum e da sua importância, num mundo que tanto precisa de receber essa mensagem – “SIM, TU FAZES A DIFERENÇA”. Deixem o cinismo e o realismo à porta e este será o “feel-good movie” que não sabiam que precisavam.
Ps: I AM WONDERFUL – acreditem no Chuck.
1 comentário