Quando partilhamos os nossos filmes favoritos do ano no final do mesmo, parece que já é tarde demais para aqueles que não conseguiram ver tudo a tempo conseguirem ficar actualizados antes da conversa se virar para todo um novo grupo de títulos.
É exatamente por essa razão que, aqui no Fio Condutor, decidimos fazer o ponto da situação agora que o ano já vai a mais de metade. Inicialmente realizada com a intenção de pôr a equipa a par das recomendações uns dos outros, achamos que esta sondagem estaria ainda melhor servida nas mãos dos nossos leitores.
Necessário apontar que estamos a seguir datas de estreia nacional, seja nos cinemas como em streaming, ou seja, só podemos incluir filmes que estrearam este ano em Portugal. Aproveitamos também para mencionar que existem ainda algumas estreias recentes que nem todos os membros da nossa equipa conseguiram apanhar a tempo da criação deste top e, por esse motivo, não entraram na lista, como 28 Years Later, The Life of Chuck ou Materialists. Finalmente, queremos também esclarecer que a seguinte lista foi produzida através de um sistema de pontos, similar aos Oscars – 10 pontos para o filme em primeiro lugar, 1 ponto para o filme em décimo lugar –, onde o resultado final é a combinação dos tops individuais de cada crítico do Fio Condutor.
Aproveitem para ver estas excelentes obras dignas da vossa atenção, do vosso tempo e do vosso amor. Fiquem, então, com a nossa lista dos Melhores Filmes do Ano (até agora).
Menção Honrosa: Memoir of a Snail, de Adam Elliot

“Memoir of a Snail é uma obra incrivelmente profunda e melancólica, acompanhada de um guião maravilhoso recheado de frases e reflexões muito introspetivas e honestas que trazem um sentimento de empatia à audiência. A estrutura de memoir enquadra-se perfeitamente na história, pois Grace não narra somente os acontecimentos, mas oferece-nos um monólogo interno que só conseguiríamos obter de alguém se lêssemos o seu diário pessoal. Assim, o enredo torna-se ainda mais pessoal, vulnerável e íntimo.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Lara Santos aqui.
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Menção Honrosa: Better Man, de Michael Gracey

“Dos musicais mais surpreendentes, originais, intensos e emocionalmente poderosos em largos anos! A metáfora de ter a estética animal em vez do ser humano é um toque de originalidade muito particular, porque aliada à narrativa, formam uma tese visual sobre o que pode representar síndrome do impostor, as diferentes máscaras que todos usamos para camuflar as nossas inseguranças e traumas, e a nossa relação umbilical com o passado que persiste em ter papel activo e até visceral nas nossas decisões e reacções do presente.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Antony Sousa aqui.
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10. No Other Land, de Hamdan Ballal, Yuval Abraham, Basel Adra e Rachel Szor

“No Other Land é um acto de resistência e de protesto por liberdade, um combate genealógico na sua documentação da expulsão deste povo e da destruição dos seus lares. Através de telemóveis e camcorders, Basel Adra e Yuval Abraham, um jornalista Israelita, capturam esta crueldade invasiva; uma comunidade a suplicar por humanidade ignorada por soldados e, consequentemente, pelo mundo, mesmo quando membros são incapacitados ou mortos, tanto pela IDF como por cidadãos aleatórios Israelitas, ansiosos por fomentar esta humilhação sangrenta. O cansaço de Adra e do povo palestiniano é sentido em cada frame desta longa-metragem, juntamente com a sua dedicação.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por João Iria aqui.
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9. Flow, de Gints Zilbalodis

“Regado com momentos doces, banhado em cataratas de charme, e equipado com uma panóplia colorida de imagens igualmente devastadoras como inspiradoras, Flow arrisca numa aventura desprovida de falas, populada principalmente por sons animalescos – a narrativa é contada através dos seus poéticos visuais, da sua fantástica banda sonora e de miares, ladrares e seja o que for que uma capivara faz –, recusando-se a ser o equivalente de um laser para gatos, chaves para bebés ou minions para adultos no facebook, nunca condescendente, sempre com crença na paciência, atenção e respeito do seu público; sempre com crença na sua audiência.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por João Iria aqui.
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8. Sing Sing, filme de Greg Kwedar

“Sing Sing é sobre encontrar, num lugar de profunda barbárie, o calor do companheirismo. É sobre descobrir formas, não de ser, mas de conviver com a nossa própria pele, através da representação, da colaboração e da paixão partilhada, encontrar conforto em existir, connosco e com o outro. Ao longo de Sing Sing, Divine Eye, interpretado pelo próprio, não perde a dureza que marcava que sua linguagem corporal, mas ganha um relaxar para com o exterior, há conforto na ligação aos membros do coletivo. Paul Raci e Colman Domingo são brilhantes, o primeiro como diretor do espetáculo e o segundo como um dos principais impulsionadores deste programa, homem a tentar provar a sua inocência e que encontra no teatro um propósito que vai bem além de si mesmo, captado através de película de 16mm que dá o último lustro documental que Sing Sing merece.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Rafael Félix aqui.
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7. Nickel Boys, filme de RaMell Ross

“Num filme filmado na totalidade em perspetiva de primeira pessoa, naquilo que o realizador RaMell Ross chama de “perspetiva senciente”, a forma como assistimos ao mesmo é moldada por uma familiaridade e proximidade das personagens que nos tornam confidentes das mesmas. Especialmente, quando toca na forma como olhamos para a humanidade e nos vemos impotentes no desfecho da mesma. O objetivo de RaMell Ross, num filme tão íntimo, ao trazer-nos o ponto de vista de jovens negros que foram abandonados à sua própria sorte, permite-nos mergulhar num ambiente desconhecido que nos move à medida que a câmara é nossa testemunha.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Flora Lopes aqui.
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6. Black Dog, filme de Guan Hu

“Black Dog é uma parábola existencial sobre a possibilidade de conexão num mundo despedaçado. Ao evitar o sentimentalismo fácil, Hu insere momentos de absurdo sombrio e desvios oníricos que fragmentam a realidade: eclipses solares, serpentes à solta, animais em fuga de um jardim zoológico em ruínas. Estes elementos, longe de serem meros adornos, constroem uma atmosfera de sonho partido, em que a redenção só pode nascer da aceitação da imperfeição. Peng, num dos grandes destaques da sua carreira, encarna Lang com uma contenção admirável. A sua relação com Xin, não é apenas convincente, mas visceral — tão forte que, fora do ecrã, levou o ator a adotar o animal —, é o coração do filme.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Matilde Garrido aqui.
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5. Queer, filme de Luca Guadagnino

“O que vemos é uma relação profundamente tóxica entre duas personagens aterradas com a ideia de não serem o que deveriam ser. Dois homens em negação: uma roça o patético, a passar de humilhação em humilhação por migalhas de atenção, o outro indiferente ao sofrimento que está a causar, mas assustado com a verdadeira natureza dos seus sentimentos. Queer não é uma história de amor. É uma sobre os efeitos perversos deste quando os seus intervenientes não sabem quem são. Mesmo quando Queer entra no seu mais absurdo – que envolve uma viagem pela selva ao encontro de uma botanista peculiar com conhecimentos sobre uma substância que permite desenvolver poderes telepáticos –, o seu núcleo permanece intacto. É uma ode sobre a solidão masculina, o querer desgovernado do coração e a batalha eterna entre o que somos e o que queríamos ser.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Rafael Félix aqui.
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4. Sinners, filme de Ryan Coogler

“A paixão de Coogler por esta história, elevada pela fotografia ampla e destemida de Autumn Durald Arkapaw, é evidente em cada plano, cena, e sequência. Sinners é especial pela sua habilidade de transformar conceitos familiares em algo maior, em serviço de um todo que é bem mais do que a soma das suas partes. Um conto visceral e apaixonado, mas também sensual e dinâmico que dialoga com o género popular do terror que, por sua vez, dialoga com o folclore e as tradições ancestrais que em tanto informam a experiência afroamericana. O resultado é uma sinergia cantante e dançante, tematicamente motivada, que proporciona 138 minutos de puro divertimento feito exclusivamente para a experiência escura e envolvente da sala de cinema.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Francisca Tinoco aqui.
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3. The Brutalist, filme de Brady Corbet

“The Brutalist é um conto americano sobre a imigração e a busca pela grandeza, protagonizado por um artista num mundo implacável. Mais do que uma reflexão sobre a arte, o filme procura explorar os efeitos da ambição humana, abordando as tensões entre a criação e a destruição; entre o sucesso profissional e o sacrifício pessoal. Com uma narrativa visualmente impressionante, ao fim de 215 minutos, o espectador sente ter acompanhado o desenvolvimento de uma vida inteira, marcada pelas ambições massivas e pelos seus altos preços a pagar.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Matilde Garrido aqui.
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2. Nosferatu, filme de Robert Eggers

“Nosferatu é romântico, gótico, sensual e aterrador. É o filme com a estrutura mais clássica da carreira de Eggers, assim como, talvez, o mais percetível: um filme de estúdio com identidade e maneirismos de autor. Sente-se o fim de um ciclo. Encontrou a equipa de artistas que funciona numa simbiose perfeita – Blaschke, Muir, Ford e Lathrop – e com eles, Eggers cumpriu o sonho que era Nosferatu. Até aí chegar criou alguns dos filmes mais marcantes da última década, mudando a face do terror moderno pelo caminho. The Northman (2022) já havia deixado indícios disso e parece ter chegado o momento de o realizador partir para outros mares. Estes, já os domou.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Rafael Félix aqui.
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1. Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles

“Salles, às costas de uma performance absolutamente inspiradora de Fernanda Torres, utiliza as dinâmicas familiares dos Paiva para expor os horrores da ditadura: os desaparecimentos, perseguições, a tortura – física e psicológica – dos cativos e dos seus, a insegurança, o medo. Tudo isto presente na primeira parte do filme, onde conhecemos o charme gigante de Selton Mello como Rubens Paiva e a devoção de Eunice Paiva ao marido, aos filhos e aos amigos. Salles vai com pressa durante este período. Somos presentados com jantares, festas, dança, música, beijos roubados, amores adolescentes. Erasmo Carlos, Gal Costa, Tim Maia enchem Ainda Estou Aqui, num misto de celebração, dor e resistência que vem da rádio e se sobrepõe às filmagens em Super 8 captadas pelas câmaras portáteis dos adolescentes Paiva, que captam a felicidade de viver e o calor familiar do Rio de Janeiro. O medo do regime está latente, todavia Salles parece afogá-lo no meio de um espaço familiar tão idílico que aparenta ser impermeável ao caos e violência do exterior.”
Leiam a crítica ao filme, escrita por Rafael Félix aqui.
