Os dois lados da arte. Se podemos afirmar a arte como uma salvação, podemos também referir esta como uma condenação. Num espaço onde conseguimos descobrir a nossa pessoa, expressar as nossas desconhecidas ou estranhas e conflituosas emoções, podemos assumir que também conseguimos desvendar o Inferno, manipular essa confusão e usar esse amor pela criação para a destruição.
O Compositor, vencedor do Prémio de Melhor Curta Portuguesa no MOTELX, explora precisamente esse conceito. Mauro (Vicente Gil), um jovem apaixonado pela música, elaborando melodias poéticas no seu violino, experiencia a sua prisão no afecto do seu professor, Álvaro (Filipe Vargas), um compositor similarmente impactado por esta harmonia que encara a arte musical como uma para ser domada. A sua relação com a composição, um espelho da sua conexão com as pessoas em seu redor. Para este homem, o amor deste jovem é para ser possuído. Ironicamente, é onde encontra a beleza da sua sonoridade, transformando uma sinfonia transcendental num abismo de sombras e sofrimento.
A aflição é o canto predominante neste pequeno nefasto espectáculo. A direção de fotografia preenche o ecrã com planos exageradamente próximos ao ponto onde o desconforto é tudo o que conhecemos – interrompida ocasionalmente com imagens trágicas que afiam a corrosão da criatividade nas mãos dos poderosos, e por frames que afinam o seu elemento reconfortante, protector, regenerativo e espiritual. São notas visuais produzidas pelo ódio mas conduzidas pelo amor, representando o seu núcleo dramático. Onde encontramos alguma forma de esperança é, naturalmente, na banda sonora exímia. A excelente combinação entre música e edição cria um ritmo envolvente, como se a curta-metragem inteira vivesse na partitura. No entanto, quem são os músicos que elevam estes instrumentos? Admito que tenho o hábito de ser rigoroso com o acting português que tem tendência a sobressair como falso, maioritariamente por motivos de dificuldades de transição entre plataformas – do teatro para o cinema para novelas – portanto, com prazer, reconheço o talento desta dupla protagonista que transmite toda a dor, raiva, paixão e desespero que este filme de Afonso Lucas e Rodrigo Motty pretende capturar.
Consegue a arte realmente ser uma salvação quando é também uma arma de destruição? O Compositor não oferece uma resposta. A arte não precisa de dar respostas, apenas questionar. Tenho de apontar que parte da sua própria composição narrativa, incluindo a sua conclusão, parece demasiado absorta pela música para referir que, infelizmente, este mundo celestial absolve os demónios da sua indústria. Apesar da sumptuosidade visual do seu final, uma sensação persiste de estar a tentar fugir desta conversa possivelmente demasiado complexa para este formato. Ainda assim, é inegável o poder emocional da música no mundo e no indivíduo. Acredito que esse é, no final, o coração desta narrativa. É possível sequer abdicarmos desta beleza?
Não sei. Apenas sei que parar de ouvir e parar de tocar, seria morrer.