Do livro Ballad of a Small Player (2014), de Lawrence Osborne, surge onze anos depois esta adaptação para filme, com o mesmo título e com a realização a cargo de Edward Berger. Colin Farrell rouba cada imagem rica do ecrã e dá-nos contexto, para vermos nas nossas humildes casas, de como é ser-se viciado no jogo em Macau. É provável que tão cedo não te apeteça meter os pés num casino… Vai uma aposta?
Lorde Doyle (Colin Farrell) é um apostador profissional que vive na fronteira do risco, sempre em sobressalto, de olhar sobre o ombro. Enquanto procura a solução para os seus problemas e dívidas nas mesas de bacará, jogo predilecto de Doyle, Dao Ming (Fala Chen), gerente do casino Rainbow, aparece no seu encalce para baralhar as cartas desta pobre alma, oferecendo uma hipótese de redenção.
Sorte ou azar, os nossos dias estão carregados destes rótulos, numa atribuição fácil e rápida de responsabilidades, explicando assim o porquê das nossas decisões terem funcionado melhor ou pior do que esperávamos. Quanto mais nos encostamos a factores externos para justificar o que sentimos não estar a resultar na nossa vida, mais nos afastamos da consciencialização dos nossos erros e mais valias, perdendo a oportunidade de agarrarmos o nosso destino dentro daquilo que nos é possível controlar. Mais tarde poderei colocar aqui o meu número para enviarem por mbway o que acham justo por este momento de coaching espontâneo, mas agora importa sublinhar que tudo isto vem a propósito de Doyle, e do quanto dói vê-lo a escolher atalhos para se autodestruir involuntariamente. A razão pela qual nos custa assistir tais comportamentos erráticos é por si sinal da mestria de Colin Farrell, que faz all in neste papel, entregando-se até ao limite, deixando um rasto de empatia que escolhemos seguir, pois percebemos que este homem é censurável, no entanto queremos muito acreditar que não é um caso perdido.
Por falar em escolhas, já muito se fez em cinema dentro do tópico de vícios, jogo em particular, ir do tudo ou nada num instante; ser Deus e zé-ninguém no espaço de cinco minutos. Ballad of a Small Player traduz-se de facto numa balada, com uma melodia agradável, mas que parece só ficar pela ameaça de um refrão que fica no ouvido. O início é prometedor, muito pela estética agradável do filme e pelo efeito hipnótico do talento de Farrell, tropeçando depois no desenvolvimento do enredo e no ritmo imposto, e acabando num forcing final nítido para nos resgatar, apostando em trunfos com naipe de twists, podendo essa jogada ser já demasiado tardia. Até lá repete-se a sensação de águas paradas, a precisar de circular, com várias sequências que pouco acrescentam à história, apesar de muito bem interpretadas. Para respeitar esse ciclo vicioso do filme, reforço o elogio a Colin Farrell, repetindo as vezes que forem necessárias que o actor irlandês é um dos mais brilhantes actores da sua geração e que está no topo das suas capacidades nesta fase da sua carreira.
Uma ficha bónus que ganhamos ao ver a mais recente aposta da Netflix é a possibilidade de desfrutar de Tilda Swinton, que representa uma certeza estatística de que as cenas em que participa são de qualidade inegável. A sua Blithe não tem o tempo de ecrã desejável, contudo, faz usufruto desses preciosos minutos para deixar uma marca no filme, além de deixar em nós uma curiosidade significativa em conhecer melhor esta mulher. Para quem visualizar a longa-metragem até ao fim e acenar positivamente ao ler este parágrafo, sugiro esperarem um pouco nos créditos finais antes de voltarem ao menu inicial, wink wink.
Juntando todas as posses de Ballad of a Small Player daria para encher metade de uma pasta para nos divertirmos num casino, e para uma estadia sem direito a pequeno almoço num razoável hotel em Macau ou Hong Kong. Infelizmente é provável que dentro de um mês nos esqueçamos de parte do filme e de nomes de personagens. Porém, quiçá reste na nossa memória uma imagem de Macau (ou de uma zona específica da região, que tem mais para oferecer na sua cultura do que a parte Las Vegas) que nos incentive a explorar o mundo e a “viver um bocado”, como aconselha Lorde Doyle.