É difícil encontrar um ramo das forças de segurança norte-americanas que, com protagonismo central ou mero cameo, já não tenha vindo parar a um filme de Kathryn Bigelow. Esta já faz este tipo de cinema a dormir: a cadência das personagens é familiar enquanto debitam códigos de segurança no alfabeto fonético; os telefones fixos a ser atendidos com apreensão para escutar uma qualquer ordem vinda da patente militar superior; e os imaculados camuflados e camisas da Marinha que vão preenchendo os seus ecrãs nos últimos 15 anos.
Lamentavelmente, desta vez, é possível que Bigelow tenha confundido “fazer um filme de olhos fechados” com “fazer um filme que faz fechar os olhos”. É um erro honesto, a língua é tramada, seja ela qual for.
Com um guião de Noah Oppenheim, a ação das quase duas horas de A House of Dynamite concentra-se em cerca de 20 minutos. Estes são os minutos entre o lançamento de um míssil não identificado no Pacifico e o seu trajeto até Chicago. A estrutura de três atos é dividida por três diferentes pontos de vista: o primeiro na Situation Room da Casa Branca; o segundo no Presencial Emergency Operation Center; e o terceiro acopanha o Presidente dos Estados Unidos. Seguimos a cadeia de decisão para lidar com uma ameaça nuclear não provocada (tanto quanto é dito) e desconhecida, desde a identificação do míssil, a tentativa de detetar os responsáveis pelo lançamento e contra quem, quando e como retaliar.
Os elementos habituais deste tipo de filmes que envolvem a política militar americana estão aqui: idílicos que acreditam na diplomacia e na paz; militares que tudo querem resolver através de atos sanguinários em nome da defesa nacional; e os “civis” que representam as verdadeiras vítimas destes jogos intercontinentais de destruição maciça. As câmaras handheld com zooms espontâneos ao estilo documental também aqui aparecem sem surpresa. É uma receita estudada e que, de modo geral, funciona no sistema de estúdio americano, mesmo que com resultados mistos: para cada Civil War (2024) ou Zero Dark Thirty (2012) há um American Sniper (2014).
Inicialmente o pitch de Bigelow é atraente. Um elenco carregado – Rebecca Fergurson, Idris Elba, Jarred Harris, para nomear alguns –, um conceito Rashomon e uma crise nuclear que parece assustadoramente plausível dado o clima putrefacto que se vive na diplomacia internacional. Aliás, a utopia que A House of Dynamite apresenta – ter um governo norte-americano que perderia sequer vinte minutos a discutir se iria ou não bombardear uma qualquer outra nação – é tão esperançosa que parece quase sci-fi. Todavia, se o primeiro movimento do filme – levado às costas pelo talento de Rebecca Fergurson – é bem-sucedido em criar um thriller asfixiante onde cada ponto num ecrã ou silêncio num telefone pode conter em si o fim do mundo, os restantes rapidamente perdem o gás e esvaziam completamente o balão que o primeiro ato habilmente encheu.
Os três atos não se distinguem particularmente entre si, a informação obtida em cada um deles não é esmagadoramente diferente daquela captada nos atos que lhe procederam, e as personagens, por si, não têm profundidade suficiente para carregar uma determinada porção do filme em que o guião nada está a oferecer. Por isso, A House of Dynamite torna-se uma espécie de curta-metragem presa em loop que, ao final da segunda vez desconfiamos que algo está errado com a plataforma de streaming e ao final da terceira percebemos que o erro afinal está mesmo atrás da câmara. Facto não abonatório é que o elemento que atravessa os três atos é a banda sonora de Volker Bertelmann, com música de tal forma genérica e repetitiva que nos faz lembrar a absoluta catástrofe que foi a soundtrack de All Quiet on the Western Front (2022) (obviamente premiada pela Academia, lamentavelmente).
Fica a sensação que A House of Dynamite funcionaria bastante melhor sem o framework imposto pela sua estrutura, pois é este que rapidamente se mostra ser o seu pior inimigo. É possível aceitar a fantasia que pinta as pessoas responsáveis pela segurança dos Estados Unidos como adultos pensantes e não como crianças cruéis, talvez porque estes adultos são representados por atores competentes. O que fica difícil de aceitar é que todo este talento esteja ao serviço de tão pouco. Não há conteúdo suficiente no guião de Oppenheim nem na realização de Bigelow que justifique as quase duas horas que estes nos pedem, e para um filme que por vezes consegue ser tão barulhento, a ideia principal que nos deixa é que podíamos ter utilizado estes 112 minutos para fazer uma soneca.