A elevação estética do cinema de terror, a sua capacidade de conquistar bilheteiras milionárias e aclamação tanto do público como da crítica têm alimentado campanhas de marketing cada vez mais agressivas para os grandes estúdios terem projetos que serão os seus potenciais destaques. Todos os anos, frases como “o novo clássico do género” ou “tão aterrorizante como ‘The Exorcist’ (1973)” surgem estampadas em cartazes e análises de selecionadas produções. Algumas dessas obras, de facto, marcam a época e redefinem o género, como The VVitch (2015), Get Out (2017) e Hereditary (2018). Outras, porém, revelam-se desilusões monumentais, como aconteceu com Longlegs(2024) – e, infelizmente, Weapons (Hora do Desaparecimento), do realizador e argumentista Zach Cregger, segue pelo mesmo caminho.
Vamos recuar um pouco no tempo e recordar a longa-metragem de estreia de Cregger, Barbarian(2022), que também foi muito aclamada na altura, mas que sofre de uma quebra de ritmo grotesca na segunda metade da narrativa, trocando um clima tenso, misterioso e intrigante por uma comédia disparatada. O filme foi visto como inovador e um subversor do género de terror, mas, na verdade, limitou-se a deitar fora todo o ambiente que havia construído na sua primeira parte. Agora, no seu segundo trabalho como realizador, essa tendência confirma-se não como um deslize pontual, mas sim uma fórmula que ele insiste em repetir e com consequências igualmente frustrantes.
Agora, vamos dissecar a premissa do filme – o seu ponto mais forte. Numa pequena cidade da Pensilvânia, um grupo de 17 crianças levantou-se no meio da noite, precisamente às 2h17, saiu de casa e começou a correr pela rua até desaparecer na escuridão, desaparecendo por completo. A única ligação entre elas é que todas frequentavam a mesma escola e estavam na mesma turma, lecionada pela recém-chegada professora Justine Gandy (Julia Garner). Todos os alunos desapareceram, exceto o jovem Alex (Cary Christopher). Quando interrogados pelas autoridades e pelos pais, tanto Justine como Alex não conseguem explicar o que terá levado as crianças a desaparecer, mergulhando a cidade num clima de mistério e desconfiança.
Embora o início seja promissor e consiga criar atritos sociais entre os habitantes, esses conflitos começam a diluir-se à medida que a narrativa avança, acompanhados de buracos no argumento que colocam à prova, em excesso, a capacidade de suspension of disbelief do espectador. Segundo informações estabelecidas pela própria história, as casas da cidade têm câmaras de vigilância viradas para a rua, mas a polícia nunca foi capaz de analisar nenhuma delas para seguir o rasto das crianças até ao seu destino. Para agravar a situação, há um intervalo de quase um mês entre o desaparecimento e o momento em que a narrativa decide avançar, e, mesmo assim, nenhum dos investigadores foi capaz de cruzar as gravações para identificar um percurso comum – algo que, curiosamente, uma das personagens consegue fazer numa única tarde. Além disso, o argumento dedica pouco espaço a outras figuras da comunidade, fazendo com que o desaparecimento pareça um evento isolado, sem ligação ao contexto social ou ao modo de vida local. Falta qualquer indício de que a situação seja consequência de tensões específicas daquela comunidade, ficando a impressão de que tudo aconteceu por mero acaso e que podia desenrolar-se de forma idêntica em qualquer outro lugar.
A estrutura narrativa utiliza o efeito Rashomon para seu benefício, em que o mesmo evento é apresentado várias vezes a partir da perspetiva de várias personagens, construindo um retrato mais completo da história. Este recurso é frequentemente utilizado para dar profundidade a histórias simples, mas, neste caso, parece servir apenas para prolongar o mistério o máximo possível, apesar da sua resolução aparecer na metade do desenvolvimento e ficar óbvio para o espectador o responsável pela situação. Há perspetivas de personagens que, se fossem removidas, não alterariam em nada a compreensão do público nem o desfecho do filme. A escolha transmite mais a sensação de uma tentativa forçada de atribuir complexidade a uma história superficial, até porque, perto do clímax, a estrutura é abandonada e passamos a acompanhar a resolução de três personagens em simultâneo.
Falando em resolução, a deste filme só se mantém um mistério porque é ocultada ao espectador uma personagem absolutamente crucial, cujas intenções são tão óbvias quanto a sua excentricidade. É ela a responsável pela mudança brusca de ritmo da narrativa, que passa de um suspense e thriller investigativo intenso para uma comédia anárquica, mais próxima de um exercício experimental do movimento artístico Dadaísta. E aqui reside o grande ponto fraco do filme e, ao que parece, uma marca registada do realizador Zach Cregger: vender algo que, no fundo, não é.
No fim das contas, Weapons revela-se um filme perdido na sua própria ambição. Com uma premissa que prometia mistério e tensão, acaba por se afogar em escolhas narrativas incongruentes e numa quebra abrupta de tom que desorienta o espectador. É um trabalho que, apesar de alguns momentos pontuais, não consegue cumprir o potencial que a sua ideia inicial sugeria. Para quem procura um thriller de terror sólido e envolvente, esta obra acaba por ser uma desilusão. Resta esperar que Zach Cregger, com a experiência acumulada, consiga refinar a sua voz e oferecer algo mais consistente no futuro – coisa que duvido que aconteça devido à aclamação exagerada e descabida pelos seus trabalhos.