Crítica | Tron: Ares (2025)

Após o desaparecimento de Flynn (Jeff Bridges) vivemos numa realidade onde ‘The Grid’ não é mais do que um pensamento fugaz e uma ideia esquecida. A Encom, empresa responsável pela sua criação no filme original – Tron (1982) – está agora sob o comando das irmãs Kim, Eve (Greta Lee) e Tess , mas está dedicada apenas ao mercado dos videojogos, com grande sucesso. A morte de Tess, a irmã mais nova, é o catalisador para a mudança de Eve, agora dedicada a encontrar soluções tecnológicas de vanguarda para garantir o bem-estar humano e um futuro sustentável. Tudo isto está dependente da criação de um código-chave, que facilitará esta solução, mas esse objectivo é partilhado por uma empresa concorrente, Dillinger Systems, dirigida por Julian Dillinger (Evan Peters) que não vai olhar a meios para atingir os seus propósitos primeiro.

Somos introduzidos ao que parece ser uma tangente da história original e que escolhe ignorar elementos-chave do argumento de Tron: Legacy (2010). Deste último projecto, a inspiração e a influência vem principalmente da modernização do aspecto visual, operado na sequela, mas também de uma banda sonora que se mistura na própria essência do que é esta franchise. Em 2010, os escolhidos foram os Daft Punk, para ressuscitar o filme de culto original, e em 2025 é a vez de optar por outro peso pesado da música, os Nine Inch Nails. Esta é, desde logo, a melhor parte do filme pois escolhe trilhar o seu próprio caminho, sempre com o legado da banda bem marcado, e ainda homenageando o trabalho anterior dos Daft Punk, mas também de Wendy Carlos.

As sonoridades vão ser facilmente identificadas pelos fãs da banda mas (quase) nunca se sobrepõem ao que estamos a ver no ecrã. Este “quase” não é inocente porque esse limite é por vezes ultrapassado com o forte coração electrónico que pulsa e reverbera altivo em toda a sua duração. É de tal modo frenético que damos por nós absortos neste mundo e na envolvência criada. A banda sonora não se fica somente pela electrónica, pura e dura, e inclui ainda momentos de introspecção ao piano, instrumentalizaçãos dissonantes e após uma longa ausência, fruto ultimamente do intenso trabalho em bandas-sonoras, a voz de Trent Reznor. O seu principal destaque é, no entanto, não terem usado um segundo de música orquestral mesmo quando o ouvido parece escutar um trio de cordas à distância, ele não está realmente lá – a magia de NIИ, a disparar em todos os cilindros.

O outro ponto forte é, obviamente, os efeitos visuais e o uso da luz como potenciador da história e da imersão total no ambiente da franchise. Os neons modernizados e augmentados em Tron: Legacy (2010) são transportados da ‘The Grid’ para o mundo real, tornando tudo ainda mais empolgante. A interação entre a realidade e os efeitos visuais é de tal modo imperceptível que este conspira também, juntamente com a envolvência sonora, para nos perdermos na narrativa e esquecer os pontos menos bons.

O argumento e estrutura narrativa está longe de ser marcante e segue uma estrutura linear onde não se procuram grandes considerações filosóficas ou discussões sobre o papel da IA no futuro da humanidade. O que fica da história é a falibilidade humana e o poder que a ganância tem no ser humano para fazer o mal. A maldade por omissão ou pela falta de empatia toma mesmo o papel principal, criando uma dicotomia Mal vs Bem muito vincada. Isto torna inevitável a unidimensionalidade dos papéis, principalmente nos seus protagonistas Eve, interpretada por Greta Lee, e Julian, interpretado por Evan Peters. Este último é o clássico vilão que comete actos cada vez mais reprováveis, em termos morais, sem qualquer motivação para além da ganância. Eve segue um caminho de redenção abençoado em que as suas próprias falhas como ser humano são usadas como virtudes de carácter.

Apesar do talento visível de ambos é impossível ligarmo-nos emocionalmente a qualquer uma destas personagens, pelas suas acções, mas Greta Lee tem a vantagem de ter o carisma de uma antiga deusa grega a seu favor, e o poder do bem a guiá-la, tornando inevitável a gravitação para a sua persona. Existe ainda por aqui um Jared Leto em modo robótico no comando de uma IA sentiente de nome Ares, o deus grego da guerra. Os pontos em comum com a personagem de Eve são difíceis de negar, a nível de carisma, mas a falta de emoção da sua personagem, apesar de realista no que representa, desliga-nos da emoção que deveríamos sentir por esta personagem. Com certeza esta é uma decisão sensata do argumento mas retira urgência do que quer dizer e desliga o factor emocional da equação para o espectador, refém apenas do que ouve e vê.

Tron: Ares faz jus à essência da franquia Tron e é um deleite visual e auditivo construído para levar ao êxtase os fãs do verdadeiro escapismo numa sala de cinema. O truque é mesmo deixarem-se envolver pelos estímulos aos vossos sentidos e esquecer possíveis considerações filosóficas e morais sobre o impacto da inteligência artificial no mundo e o factor emocional de ligação às personagens. Um pequeno preço a pagar pela existência de mais música original dos NIИ no mundo – Fans REJOICE!

P.S.: Esta crítica foi feita após a visualização da versão IMAX 3D e a ouvir incessantemente, a bom som, a banda sonora dos Nine Inch Nails.

3/5

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