Crítica | Honey Don’t! (2025)

Honey Don’t! é um filme para quem gosta de puzzles, mas não tem paciência para os acabar e fica satisfeito por encaixar os cantos e apreciar a beleza de cada uma das peças.

É a segunda incursão a solo de Ethan Cohen que realiza e co-escreve com a sua esposa, Tricia Cooke, e o segundo da Lesbian B-Movie Trilogy. Sucede ao cartoonish Drive-Away Dolls (2024), um road movie que mistura crime e comédia de uma forma completamente insana, com um par de capangas muito incompetentes – que quase lembram a hilariante dupla de Anora (2024) – e duas amigas lésbicas que tentam mudar de vida e acabam numa inesperadas aventura, claro que tem romance sáfico e uma misteriosa mala que esconde o segredo mais icónico de sempre. Em comum com a obra anterior há somente Margaret Qualley, que se mantém perfeita mesmo num tom completamente diferente.

Honey Don’t! é um noir moderno, que ao contrário de Drive-Away Dolls – que se passa nos anos ’90, perto da virada do milénio, – é contemporâneo. Apesar de ter uma estética dos anos ’40, carros clássicos, um guarda-roupa elegante, uma detetive séria com a voz aveludada, e de fazer referência ao Covid e piadas sobre o uso de telemóveis e computadores, deixa claro que se passa nos dias de hoje, embora o seu visual indicar o contrário. Aliás, a forma como brinca consigo próprio e se leva tão pouco a sério é um dos aspetos mais divertidos do filme e que nos deixa imersos nesta versão quase fantasiosa de Bakersfield, sem quebrar o pacto que tem o espectador e sem ter medo de apontar as incoerências de época em que a investigadora vive, chegando até a aproveitar-se disso para aumentar a sua carga cómica.

A narrativa começa quando a detetive privada Honey O’Donahue (Margaret Qualley) é chamada ao local de um desastre automóvel onde morreu a sua cliente. E, apesar da sua insistência inicial, a morte começa a ser investigada apenas quando se descobre que os ferimentos na vítima teriam sido causados antes do acidente, transformando-se num caso de homicídio. No entanto, Honey segue o seu instinto e tudo parece apontar para uma misteriosa igreja, liderada pelo carismático e vá, sexy, reverendo Drew Devlin (Chris Evans), que utiliza os seus atributos para se aproveitar dos mais vulneráveis enquanto entrega um dos sermões mais invulgares de sempre.

“What does a piece of macaroni do?”

Pelo caminho temos um escaldante romance entre Honey e MG (Aubrey Plaza), que é polícia na esquadra da cidade, momentos de violência tão inesperados, extremos e gratuitos que são bons, problemas com a sobrinha e até um pai desaparecido que decide voltar para pedir a sua redenção. Tudo isto num argumento muito solto com desvios narrativos aleatórios que criam a ilusão de um noir complexo, mas que na realidade nunca o tenta ser, culminando num final quase perfeito onde o crime fica resolvido mas o mundo continua um lugar terrível, parecendo deixar pontas soltas de propósito para enfatizar essa mesma ideia ou para não abusar da attention span do público – mas acho que isso é outro mistério que nunca vamos descobrir.

As interpretações merecem destaque, e Margaret Qualley, sem dúvida, carrega esta história às costas, mas não está sozinha e a maioria das gargalhadas arrancadas pelo filme devem-se muito mais ao acting do que ao texto. Seria muito interessante ver Chris Evans mais vezes neste registo mais caricatural que desempenha muito bem e está excelente como reverendo Devlin. Assim como Charlie Day que, apesar de ser um veterano, fez-me rir todas as vezes com a sua running joke e timming perfeito. É um filme recheado de boas personagens com muito potencial e excelentes performances e que, por isso, deixa uma certa sensação de que foram subaproveitados.

“That’s a butter knife, Honey.”

Por outro lado, e para grande grande tristeza minha, a atuação que mais desapontou foi a de Aubrey Plaza, que apesar de pegar fogo com Margaret, abusa nos maneirismos e cria uma personagem muito simplista que realça o facto do seu papel não ter um grande desenvolvimento até à revelação final que acaba por parecer ainda mais tosca e súbita. Honey Don’t! é um daqueles casos de, e peço desculpa por usar mais uma vez uma expressão literária, “no plot, just vibes”. Mas é silly, tem sangue e sexo, como é que poderia não gostar?!

É mais um estudo de personagens do que uma narrativa “redondinha”, mas as personagens são suficientemente interessantes e os atores fazem um trabalho exímio para nos deixar entretidos durante 89 minutos, enquanto aproveitam para deixar o seu comentário a uma América “esquecida”, a sua ferroada na política, na corrupção das instituições e ainda fazer uma sátira sobre liberdade sexual.

Se este filme é um pouco estranho, tem um humor muito específico e a bilheteira parece mostrar isso? Talvez sim, mas podem contar comigo para Go, Beavers!

3.5/5

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