Quando era criança, lembro-me de ver I Know What You Did Last Summer e rir com desdém, com uma atitude de superioridade em relação ao filme. Apesar do seu sucesso estrondoso nas bilheteiras e do seu profundo impacto na cultura pop, era uma reação comum: julgar esta longa-metragem como ridícula. Agora, décadas depois, encaramos os filmes do nosso passado com uma nova perspectiva. Repentinamente, as falhas de uma história param de importar ou transformam-se no seu apelo. Nostalgia interfere e certas criações atingem um estatuto de clássico mesmo sendo apenas medíocres – nostalgia is a hell of a drug. Em alguns casos, testemunhamos narrativas incompreendidas nas suas estreias, que, com o tempo, ganham respeito, amor e alcançam finalmente o público que merecem. Críticos já estiveram errados, espectadores também. Contudo, nem todos os filmes de ontem são elevados com uma nova percepção, e demasiadas obras da nossa infância são péssimas, independentemente de nostalgia. É necessário recordar que os filmes continuam iguais, nós é que mudamos.
Possivelmente, no seu lançamento, os apaixonados realmente pescaram a sua essência mágica. Talvez, sendo vítima do seu sucesso e da condescendência que surge com a popularidade, o seu apelo principal foi ignorado. Ou meramente foi um sucesso porque jovens gostam de filmes de terror com um elenco sexy, mortes e um mistério. Precisamente por este motivo é que senti a necessidade de revisitar I Know What You Did Last Summer, além da óbvia aproximação de uma sequela/reboot. Pois, como mencionado, considerava este um dumb movie. Será que a minha opinião mudou? Confirmo que as cores são iguais mas o brilho aumentou, pois I Know What You Did Last Summer é uma divertida matança, com um argumento ciente da sua natureza cinemática: um teen movie invadido por um slasher.
Baseado vagamente no romance homónimo de Lois Duncan, somos introduzidos a um verão de sonho para um grupo de adolescentes que celebra o dia da independência americana na praia com bebidas, sexo e conversas sobre as suas aspirações. Julie (Jennifer Love Hewitt), uma mulher inteligente mas passiva na sua vida, é acompanhada pela sua melhor amiga Helen (Sarah Michelle Gellar), uma prom queen que deseja ser actriz, e pelos seus respectivos namorados, o charmoso Ray (Freddie Prinze Jr.), e o bad boy Barry (Ryan Phillippe), numa viagem em direção à vida adulta, cheia de promessas e uma estrada aberta. Tudo pode acontecer, incluindo atropelar e matar um estranho homem no meio dessa estrada. Nada que não possa ser resolvido com um corpo atirado ao mar e uma promessa de nunca mais mencionar este acontecimento e seguirem em frente com as suas vidas. Excepto que, um ano depois, Julie recebe uma mensagem secreta: “Eu sei o que fizeste no Verão Passado”. Quem é o autor desta carta? Porquê agora? Mais importante, consegue a carreira de Jennifer Love Hewitt sobreviver?
Responsável pelo script de Scream (1996), Kevin Williamson estabelece um ambiente self aware com humor e personagens estereotipadas, no entanto, nunca genéricas ou frustrantes de acompanhar. Até diria efectivamente envolventes e encantadoras, evocando uma metáfora engraçada sobre atingir o auge no secundário e enfrentar o fracasso adulto. O argumento mantém um formato clássico, utilizando a sua autoconsciência somente para libertar a história da presunção dos espectadores durante o primeiro acto, invés de também a ridicularizar como na franchise de Ghostface. Williamson não tenta atrair atenção para as suas pequenas brincadeiras com os clichés narrativos, referindo indirectamente os típicos momentos absurdos do subgénero, com um piscar de olhos. Neste sentido, I Know What You Did Last Summer funciona como uma campfire story; um conto de terror partilhado entre amigos durante uma festa nocturna na praia ou num acampamento, à volta de uma fogueira, repleto de gargalhadas, sustos pitorescos e culminando num final péssimo que apaga as chamas mas que não retira completamente o pulso da história.
Curiosamente, enquanto o script sorri, a realização grita. O cineasta Jim Gillespie contraria a suposta atmosfera do argumento, ao inserir uma intensidade omnipresente que telegrafa todos os eventos com um drama enaltecido, quase como se o destino fosse um protagonista. Não devia combinar, todavia, este contraste cria a sua essência; o elemento que sublinha o filme dentro do seu subgénero, permanecendo, assim, no léxico da cultura audiovisual. É quase um milagre que esta combinação de visões dispares complementa-se como um poder, produzindo cenas icónicas e memoráveis, com genuína crença nas suas palavras e emoções. “What are you waiting for?” pode ter sido ridicularizado por tudo e todos, contudo, questiono: é melhor ser cinematicamente exagerado e recordado ou sentimentalmente decente e esquecido?
No primeiro parágrafo mencionei que os filmes continuam iguais, nós é que mudamos. No entanto, é relevante referir que a transição do mundo transforma e molda a nossa visão. Perante uma tendência moderna em Hollywood de atropelar as suas obras com uma iluminação “realista” que prejudica a sua beleza cénica, e uma fotografia digital isenta de magnetismo, tecnicamente moribunda e genérica, os visuais de I Know What You Did Last Summer destacam-se como surpreendentemente maravilhosos de experienciar, com uma composição intrigante e um design de luz cativante, especialmente tendo em conta que, na sua época, este foi um filme inteiramente escarnecido. Duas sequências espectaculares – uma num palco com um cenário glorioso e outra à noite numa loja de roupas, com um jogo de sombras absorvente –, envergonham qualquer obra de Christopher B. Landon. Claramente, Gillespie não é um Ari Aster, Robert Eggers ou Jordan Peele, mas, dentro do subgénero teen horror actual, raramente encontramos sequer um instante tecnicamente comparável a esta longa-metragem.
Admito, é estranho dedicar uma crítica inteira a elogiar um filme com uma classificação ligeiramente superior a decente. A realidade é que os seus problemas não desapareceram, como alguns sustos básicos, uma banda sonora a tentar demasiado para apelar à sua era, efeitos sonoros risíveis, um mistério interessante que perde o seu ritmo, e um casting perfeito para o que procura ser – brilhante, até –, todavia, com esporádicas brechas na sua naturalidade e química. Eu é que mudei. Cresci (um pouco) como pessoa e comecei a abrir a mente para o que antigamente ridicularizava porque tudo na sétima arte é digno de uma verdadeira oportunidade. Agora, reconheço que I Know What You Did Last Summer mereceu a sua popularidade e declaro que merece respeito, pois sobreviveu e superou o maior serial killer do cinema – o tempo.