Um “whodunnit” é um tipo de ficção de mistério cujo foco está na investigação de um crime, tipicamente um assassinato, para descobrir a identidade do criminoso. The Woman in Cabin 10 subverte sutilmente o género ao apresentar uma história que provoca dúvidas se, de facto, houve crime. Trata-se de um filme simples e ágil, em que uma hora e meia passa sem que se perceba, e com boa dupla de protagonistas que dispensam apresentações, Keira Knightley e Guy Pearce.
Laura Blacklock (Knightley) é uma incansável jornalista de investigação que saiu de um trabalho exaustivo e, segundo sua editora, deveria tirar férias. Ela, entretanto, contrapropõe cobrir uma história mais amena e viajar, sim, mas num cruzeiro com um pequeno grupo de bilionários que acabou de a convidar. A proposta é que faça a cobertura do lançamento de uma fundação de combate ao cancro, doença que se manifesta já em estágio avançado em Anne Bullmer (Lisa Loven Kongsli), dona do iate. Tudo organizado pelo marido de Anne, Richard Bullmer (Pearce). Um trabalho que parece ser pêra doce, até que Laura vê – ou acha que viu – uma pessoa ser atirada ao mar, só que não há nenhum registo de que outra pessoa, além de todas que ela encontra logo em seguida, teria embarcado.
Contribui para o dinamismo da história que tudo aconteça muito rápido, o que, porém, prejudica a tensão. Pouco tempo sobra para que se tente adivinhar o que aconteceu, por um lado, e para o suspense do que irá acontecer, por outro. Considerado o mestre do suspense, Alfred Hitchcock via o whodunnit como um estilo narrativo diferente. Para ele, o suspense era quando o público sabe mais do que a personagem que se encontra na tela. Se uma bomba explode de repente sob a mesa é uma surpresa, mas se o público sabe que a bomba está lá e que vai explodir em cinco minutos, isso é suspense, e esses cinco minutos podem durar uma eternidade. Em alternativa, no whodunnit, o público não sabe nada e tenta descobrir quem é o culpado juntamente com quem investiga.
As histórias contadas por este meio devem ser uma sucessão de acontecimentos que se entrelaçam e desdobram num fluxo ininterrupto, por isso talvez o maior problema de The Woman in Cabin 10 é que extrapola essa ideia e transforma-se numa enxurrada. O extremo oposto ocorre quando se está diante de uma obra em que nada acontece. Se o cinema é fundamentalmente a arte de manipular o tempo por intermédio da montagem, filmes assim falham naquela que deveria ser a sua principal virtude. Ainda mais quando se trata de uma história de mistério, como neste caso, em que o trabalho é justamente manter a tensão em alta.
O argumento do filme é baseado no livro homónimo de Ruth Ware, bestseller inglesa que já foi comparada a Agatha Christie. Ela reconhece ser influenciada por aquela que é uma das mais famosas escritoras de mistérios de todos os tempos, criadora dos detetives Hercule Poirot e Miss Marple. As histórias de Ruth costumam girar em torno de mulheres aparentemente comuns que acabam envolvidas em situações de risco. Nos dois primeiros romances, a incluir The Woman in Cabin 10 (2016), a autora explora o clássico enredo de um grupo de pessoas isoladas num ambiente perigoso, incapazes de escapar – estrutura que lembra, por exemplo, Murder on the Orient Express, obra de 1934 de Christie.
Na era da economia da atenção, quando o que importa é o scroll no feed das redes sociais ou fazer com que as pessoas vejam os lançamentos de streaming de uma só vez assim que o filme ou série fiquem disponíveis, The Woman in Cabin 10 cumpre seu objetivo: prende a atenção, mas deixa uma sensação de vazio, tal como boa parte do audiovisual que é produzido por essas plataformas. Tal e qual comer fast food que sacia a fome no momento, mas que poucas horas depois já é difícil lembrar o que se comeu.