Bring Her Back (2025)

Antes de ganharem notoriedade no cinema, os irmãos Danny e Michael Philippou já acumulavam uma legião de fãs no YouTube com o canal RackaRacka, onde produziam curtas-metragens anárquicas, violentas e altamente criativas. Os vídeos misturavam humor negro, caos e efeitos visuais surpreendentes para produções independentes, revelando uma combinação rara de irreverência e domínio técnico. A estética suja e inventiva do canal remetia ao espírito dos primeiros filmes trash de Peter Jackson e às produções da Troma, produtora que também lançou a carreira de James Gunn. Já se notava ali uma inquietação artística – uma vontade de experimentar, de chocar e de narrar com intensidade – que serviu como base para o amadurecimento da dupla enquanto realizadores.

Nada disto preparou o público para a estreia da longa-metragem dos irmãos Philippou, Talk to Me (2023). O filme surpreendeu pela forma inventiva com que abordou o já saturado subgénero de invocação de espíritos, entregando uma narrativa original e verdadeiramente aterradora. Os realizadores demonstraram um domínio completo do terror contemporâneo, tomando decisões certeiras que ampliam a tensão a cada cena. Há um forte senso de imprevisibilidade, as personagens não estão protegidas pelo argumento, e o espectador é constantemente confrontado com o inesperado. Mais do que sustos, os Philippou criam imagens marcantes que mesclam o grotesco com uma tristeza palpável, amplificando o impacto emocional da obra.

O sucesso de crítica, público e bilheteira da primeira longa-metragem criou uma expectativa natural à volta do projecto seguinte dos irmãos. Dois anos depois, Bring Her Back (V.P. Volta para Mim) chega mantendo o nível técnico elevado que os consagrou. A nova história acompanha Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong), dois irmãos que, após a morte do pai e sem qualquer familiar próximo, são rapidamente acolhidos por Laura (Sally Hawkins), uma mulher excêntrica marcada pela perda recente da própria filha. Agora a viver com ela e com o enigmático Oliver (Jonah Wren Phillips) – um sobrinho mudo e inquietante -, os irmãos começam a perceber que há algo errado na nova rotina. Laura demonstra um apego cada vez mais sufocante por Piper e uma hostilidade crescente para com Andy, revelando aos poucos que a adopção pode ter sido apenas o primeiro passo de um plano muito mais sombrio.

Se a narrativa não possui a mesma sensação de novidade e criatividade do filme anterior – que surpreendia por parecer algo genuinamente único -, compensa na forma como aborda um tema já bastante explorado no terror: a possessão demoníaca. As personagens parecem não ser elas próprias, como se estivessem possuídas pelo próprio luto – por uma tristeza que não cabe nos limites físicos do corpo e que não compreendem. Outras vêem na possessão o único caminho possível para lidar com a dor, como se fosse uma forma distorcida de manter os mortos por perto ou, pelo menos, de não afundar com os vivos. O diferencial está no olhar que os realizadores lançam sobre estes tópicos, construindo múltiplas camadas emocionais ao seu redor. Há a dor inconsolável de uma mãe que perdeu a filha, o vazio de irmãos órfãos, a angústia de pais que não sabem se o filho desaparecido está vivo ou morto e, talvez o mais instigante, o alívio silencioso que pode surgir quando a pessoa que nos causava sofrimento finalmente morre. É nessa ambiguidade afectiva que o filme se ancora, dando profundidade a uma história conhecida.

A profundidade da história é acompanhada por um argumento que se recusa a oferecer respostas fáceis ao público. O passado das personagens, as suas relações e camadas emocionais não são revelados por meio de longas exposições ou explicações didácticas, mas construídos gradualmente – como um puzzle que exige atenção aos detalhes. Símbolos subtis, gestos contidos e frases aparentemente banais ganham peso à medida que o filme avança, compondo uma atmosfera densa de dor e melancolia. A fotografia colabora directamente com essa construção: não se tratam apenas de imagens belas, mas de uma estética carregada de intenção. Cada enquadramento é pensado para sugerir mais do que mostra, funcionando como peça narrativa e não como mero artifício visual.

Esta descrição pode dar a impressão de que o filme se inclina mais para o drama do que para o terror – mas não se deixem enganar. Toda essa carga emocional serve precisamente para potenciar cenas de violência extrema e genuinamente aterradoras. Há momentos brutais, de revirar o estômago, em que o horror físico se impõe sobre personagens já despedaçadas por uma dor psíquica profunda – o que só aumenta a nossa empatia e, com ela, o desconforto. Mesmo quando o elemento sobrenatural está presente, tudo é encenado com um realismo arrepiante. O som de dentes a partir, de carne a ser dilacerada, dos últimos suspiros… tudo é apresentado com uma crueza que parece atingir directamente o corpo de quem assiste.

As interpretações também são a agulha que cose todos estes elementos numa trama envolvente. O destaque absoluto vai para a performance que Sally Hawkins entrega como Laura. Há momentos em que a sua personagem age de forma cruel, até imperdoável – mas basta lembrar que ela nem sempre foi assim, que foi lentamente corrompida pela dor da perda da filha, para que o coração se parta. Hawkins encarna essa transformação com uma naturalidade impressionante, somando-lhe uma excentricidade quase hipnótica. Os novatos Billy Barratt e Jonah Wren Phillips também surpreendem, com interpretações ao nível da revelação que Sophie Wilde ofereceu em Talk to Me.

Bring Her Back pode não reinventar o género, mas encontra uma forma única e profundamente humana de o habitar. É um terror que não se apoia apenas nos sustos ou no grotesco, mas que emerge do que há de mais frágil em nós: a dor, o luto, a perda. Para quem procura mais do que apenas tensão e deseja sair da sala de cinema com algo para digerir, este é um filme que merece ser visto – e sentido.

4/5

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