Thunderbolts* (2025)

É inacreditável como a história de um conjunto de heróis de segunda linha, perdão terceira, conseguiu o seu próprio filme no universo Marvel. Admito seguir o seu universo com alguma regularidade, por entre altos e baixos, e nada fazia prever que este seria o caminho a seguir. Mais extraordinário é o que Jake Schreier, fresco do êxito obtido com Beef (2024), consegue fazer do comic criado por Kurt Buziek e adaptado neste argumento de Eric Pearson e Joanna Calo. A verdadeira razão porque é, até ao momento, o melhor filme de super-heróis de 2025 é, no entanto, outra bem diferente.

E quem são estes Thunderbolts perguntam vocês? Um conjunto de anti-heróis, que “voam” debaixo do radar, em missões de moralidade dúbia. Quando acusações sobre a conduta de Valentina (Julia Louis-Dreyfus) vêm à superfície, esta é obrigada a trair o grupo para salvar a própria pele. Quando essa armadilha os junta, num cofre abandonado, são obrigados a trabalhar em conjunto para sobreviver, e a enfrentar os demónios do passado que os atormentam. Só assim conseguirão cumprir uma nova missão que ameaça a sobrevivência humana.

Nada de especialmente original nesta sinopse, mas a eterna história do underdog é uma que ressoa sempre em cada um de nós. Outra que reverbera no íntimo de cada um é a noção de família e de pertença. Finalmente, a decisão de colocar o coração da narrativa na temática da saúde mental é mais do que acertada. A beleza maior é que não se centra apenas nos heróis mas estende-se aos vilões, humanizando cada um dos lados mas sem nunca perder o norte ou o sentido de entretenimento. Quem diria que os sentimentos humanos poderiam ser o foco central de uma produção de Hollywood?

Tudo isto são ingredientes que o argumento de Thunderbolts* explora da melhor maneira e que nos aproximam desta equipa de desajustados e párias da sociedade. Nem tudo está bem pensado ou bem executado na narrativa, desde piadas infelizes, personagens que desaparecem sem aviso e más decisões em pequenas sub-histórias que, se bem resolvidas, o podiam ter elevado a um outro patamar cinematográfico.

A verdadeira razão para ser o melhor filme de super-heróis de 2025 é, sem sombra de dúvidas, Florence Pugh como Yelena Belova. Criar, de pequenas participações e cameos em outras produções Marvel, esta personagem de carne e osso com as suas dúvidas, medos, inseguranças e que mesmo assim projecta uma força bem maior que um Hulk enraivecido, é um feito verdadeiramente extraordinário. Podemos sentir cada lágrima (são muitas) e as suas angústias à flor da pele, mas é a sua compaixão transbordante e empatia que acabam por ser o seu maior super-poder, bem mais que as explosões que provoca, as rajadas de metralhadora que liberta ou os murros que desfere sem hesitação. Os seus companheiros de jornada têm motivações e inquietações similares, mas os seus arcos estão dependentes na sua totalidade do que Yelena diz, faz e sente. As excepções talvez sejam Bucky Barnes (Sebastian Stan), que adquire um papel motivacional e de liderança com algum impacto e Robert “Bob” Reynolds (Lewis Pullman), um jovem civil com perda de memória que parece estar no local errado à hora errada e lentamente se infiltra na história, impactando-a de forma emocionalmente devastadora.

Como já vem sendo habitual em filmes da Marvel, os efeitos especiais são de qualidade apesar da natureza humana deste conjunto de heróis não permitir grandes extravagâncias nesse departamento. No entanto, e devido à natureza invulgar do vilão principal, o trabalho de edição, o design sonoro e as soluções de fotografia encontradas para representar o seu poder são inspiradas e ficam na memória. O minimalismo na representação do seu rasto de destruição acaba por carregar um peso bem maior no vazio que deixa por onde passa. Não tenho memória recente de um vilão tão icónico na sua perversidade mas igualmente humano no trauma que o domina. Existem ainda inúmeras representações da memória e do interior da mente humana, pouco usuais nestas produções, e onde mudanças subtis na gradação de cor determinam sentimentos e sugerem caminhos de cura, para cada uma das suas personagens. São inúmeros pormenores que desvendam o carinho de todos os envolvidos na produção em contar a história destes anti-heróis que poucos conheciam antes.

Há um cuidado especial com a importância da saúde mental, aparentemente deslocado do universo Marvel sempre em busca do entretenimento puro e duro, que distingue Thunderbolts* de outras produções e, por isso, conquista o espectador, mesmo aquele há muito desiludido com o rumo seguido ultimamente pelos estúdios. Isso e o talento inegável de Florence Pugh, em plena ascensão meteórica a grande estrela de Hollywood, e o vilão mais icónico do MCU desde Thanos.

3.5/5

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