As relações amorosas são terreno fértil para o cinema. É de uma facilidade extrema misturar drama, comédia, acção e até terror num argumento sobre o assunto, retirando inspiração das inúmeras situações que surgem na realidade que nos circunda. O mais difícil é encontrar um equilíbrio entre os diferentes géneros, que permitam ao espectadores conectar-se com as diferentes facetas presentes em cada relacionamento. O argumentista Tony McNamara e o realizador Jay Roach criam a sua própria história, com roupagem moderna, do romance originalmente escrito por Warren Adler, The War of the Roses (1981), mas retiram a maior parte da inspiração do filme de 1989, com o mesmo nome, realizado por Danny DeVito.
The Roses acompanha o Theo (Benedict Cumberbatch) e Ivy (Olivia Colman), um casal que aparentemente exsuda felicidade e harmonia, mas que tem a borbulhar dentro de si uma bolha de competitividade e ressentimento mútuo. Quando o sonho profissional de Theo se esvaí em fumo e o de Ivy se materializa, de um dia para o outro, é inevitável o descalabro da relação. Quem vai sair vencedor nesta guerra?
Não é inocente a referência ao equilíbrio da narrativa ser essencial numa história de uma relação amorosa, seja ela em livro ou em filme. The Roses, ou Um Casal (Im)perfeito na versão portuguesa, procura a comédia com todo o seu vigor, em detrimento da parte emocional. Insiste particularmente na comédia negra, no uso do sarcasmo em grandes doses, no slapstick de acção, e recorre à sátira de situações do dia-a-dia, para exacerbar o que divide Theo de Ivy. O humor nem sempre se apresenta equilibrado, tendo momentos altos onde o riso fluí livremente e outros em que a incredulidade do que estamos a ouvir abafa qualquer vontade de sorrir. A vontade de “metralhar” piadas a cada segundo, e em todas as direcções, acaba por cansar e nunca nos deixa envolver totalmente com as personagens. Existe mesmo uma aversão ao sentimentalismo com o constante vício de cortar os momentos mais tensos e emocionais com uma piada ou um comentário sarcástico. Como se fosse uma espécie de tortura infligida ao espectador suportar sinceridade e emoção real. Esses momentos existem, e são marcantes, mas são tão raros que desvirtuam tanto esta nova visão como o revisitar das duas versões já citadas anteriormente. Por exemplo, no filme de DeVito, o humor negro e o lado sádico e macabro é exponencialmente mais marcado quando comparado com esta versão, que ainda assim deixa de boca aberta o espectador, pela coragem demonstrada com o final seco e brutal. Falta, mesmo assim, uma maior coragem para levar o lado negro mais além em toda a sua duração.
Existe uma segurança extra quando temos como protagonistas dois intérpretes do calibre de Olivia Colman e Benedict Cumberbatch. Entre ambos estabelece-se uma química irresistível, talvez não em termos sexuais mas de uma sintonia emocional e timing cómico a roçar a perfeição. Este duo consegue, graças ao seu carisma transbordante, levar o argumento a bom porto, mesmo que as velas fiquem em baixo grande parte do tempo. Existe ainda um excelente conjunto de actores e actrizes nos papéis secundários, alguns consagrados da comédia como Andy Samberg, Kate McKinnon e Jamie Demetriou enquanto outros como Ncuti Gatwa, Allison Janney e Zoë Chao têm, a espaços, os seus momentos altos mas parecem sempre distrações e fait-divers do prato principal cozinhado por Colman e Cumberbatch. E aquele sotaque inglês de ambos carrega ainda mais de bile o sarcasmo destilado pelo argumento e acentua, pela positiva, o banter ágil e travesso do casal Theo e Ivy.
The Roses está no seu melhor quando abusa do sarcasmo, do humor negro e do seu duo de protagonistas delicioso, Olivia Colman e Benedict Cumberbatch, mas o desiquilíbrio no argumento e a realização desinspirada de Jay Roach não o conseguem elevar ao nível que mereciam os seus protagonistas.