Ruído – Minissérie (2025)

Bruno Nogueira já nos habituou a desconcertar pensamentos genéricos e a estimular tanto o nosso hipocampo como a nossa gargalhada. À primeira vista, Ruído será algo menos arrojado e mais de encontro a um humor que, apesar de fiel ao humorista para quem o segue há algum tempo, não atinge a profundidade esperada. Ora, nem tudo o que é parece, nem o que parece é.

Numa realidade distópica onde é proibido rir e consequentemente fazer rir, um grupo de artistas formado por Bruno Nogueira, Frederico Pombares, Carlos Coutinho Vilhena, Luís Araújo, Rita Cabaço, Gabriela Barros, Albano Jerónimo e convidados, junta-se para criar vídeos cómicos com o objectivo de os revelar clandestinamente ao público, como forma de resposta ao sistema imposto.

Nos dias que correm, as redes sociais são um meio de divulgação fortíssimo do trabalho de variadíssimos artistas, ocupando uma larga fatia de tempo dispensado para perceber qual a melhor e mais rápida forma de chegar aos consumidores. Sendo a série composta por um conjunto de sketches, é natural que a propagação do conteúdo seja feita através de posts de Instagram e que essa seja até a maneira com que algumas pessoas vejam os episódios. O que é certo é que vendo sketches aleatórios, editados e retirados do contexto, via perfil do Ruído no Instagram, a experiência é uma, visualizando na televisão ou na RTP Play a experiência é outra. Poderá não ser intencional e ser apenas um efeito secundário curioso, no entanto, o que retiramos da versão rede social reduz o produto à sua capa. Para alguns, a capa pode ser mais apelativa em alguns sketches, e para outros pode ser mais apelativa em diferentes sketches, contudo limita sempre. Não permite separar o trigo do joio. Atendendo alguns dos temas mais frequentes da série, como a desinformação e a fragilidade da necessidade de atenção virtual instantânea, esse meio de divulgação mais imediato acaba por funcionar tanto como teaser do trabalho como crítica ao descartável que é o scroll que entorpece a mente.

Ruído, desde o título até ao conceito, foi criado para ser uma subtil carta de amor à comédia, que só é lida se a série for vista na íntegra; só será interpretada por nós se nos colocarmos nos sapatos das personagens fora dos sketches, e só será apreciada se… bem, na verdade, por vezes dá a entender que procura mais ser uma provocação à espera de uma reacção nossa, do que necessariamente algo pensado para ser considerado hilariante. De uma compilação de diversas ideias básicas para colocar em vídeo, passamos para uma realidade com três camadas: a caça ao riso, como uma caça às bruxas; os bastidores do processo de escrita, realização e projecção dos vídeos; o resultado final desse processo. Nunca deixa de ser uma série de comédia pura, porém, camufla um grito de paz. Algures entre piadas sobre cocó e um Nuno Markl bully, declama um poema sobre a gargalhada e como ela nos pode salvar dias inteiros, que empilhando-se, constituem a nossa vida. O mundo está frio, veloz, cruel e com medo. Há muitas batalhas novas importantes que importa combater, mas há guerras que nunca se poderão ganhar, sobretudo se matarem o riso.

O que guardamos sem nunca expressar faz muito barulho cá dentro. O silêncio é um presente difícil de desembrulhar. O que pensamos não tem que ser preto ou branco, pode ser cinzento. O que magoa é que importa calar. A ideia não é chegar ao sentimento, mas ainda assim vou partilhar. A dor tem muitas formas e não espera pelo seu momento. Às vezes acumula até não sermos capazes de falar. E quando a vida mostrou o seu lado mais turbulento, foi a comédia que esteve lá para me salvar. Pode-se gostar mais, pode-se gostar menos, todavia, a liberdade dos actores de Ruído para experimentar, errar, tentar, é tão palpável que contagia. Essa liberdade é verdade que só existe pelo estatuto que Bruno Nogueira conquistou e que lhe permite ter plataformas para continuar a arriscar e a fazê-lo com as pessoas que confia. Mas se ela existe que seja para espicaçar a criatividade e o humorista em nós que se vai esvaziando entre receios do que vai ou não ser aceite. Vamos rir mais de nós mesmos para podermos rir juntos. Há lá coisa mais bonita e humana que essa?

4.5/5

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