As comédias dirigidas a um público adolescente são algo que se manteve num patamar de relativa obscuridade durante grande parte da história do cinema. Só nos anos 80, com a entrada de John Hughes em cena, abandona o mercado de nicho e descobre uma audiência geral, sedenta de se sentir representada no grande ecrã com os clássicos The Breakfast Club (1985) e Ferris Bueller’s Day Off (1986). Chegando aos anos 90, tanto a procura e a diversidade aumentam levando a uma grande diversificação de oferta onde os destaques óbvios foram Clueless (1995), 10 Things I Hate About you (1999) e o icónico American Pie (1999). O sucesso mantêm-se com Bring It On (2000), Mean Girls (2004), Superbad (2007) e parece eclipsar-se, na sua especificidade e regras, com Easy A (2010).
As regras eram simples e recorrentes neste género cinematográfico. Havia um herói/heroína que tinha uma origem simples e, geralmente, no fundo da “cadeia alimentar” do liceu. O objectivo era tornar-se parte do tecido social da escola, ser finalmente aceite pelo que é e, claro, conseguir a rapariga/rapaz de sonho através de uma intensa e, muitas vezes, dolorosa viagem de descoberta pessoal. Essa previsibilidade aconchegante fez parte do crescimento de todos nós e é para muitos um “guilty pleasure” a que recorremos quando queremos uma viagem ao passado para recordar tempos mais simples ou para desligar da confusão e barulho da nossa realidade presente. E como é preciso nos dias de hoje.
E, para isso, tenho boas notícias e más notícias. Começando nas boas – Este Mean Girls, que é uma adaptação para cinema do musical da Broadway, que por sua vez é uma adaptação do filme Mean Girls (2004), que nos deu a conhecer Rachel McAdams e Amanda Seyfried, confirma o regresso desse género desaparecido há muitos anos. As más notícias são que este regresso, através deste reboot, não faz sentido.
Entramos na história em modo “story” de instagram/Tik Tok com uma canção bastante orelhuda. Segue-se um epílogo de Cady (Angourie Rice) em África, onde vemos um pouco da sua vida neste lugar (no filme original surgia apenas através de algumas fotos). Aparenta estar no bom caminho de um reboot ciente do legado e com algo novo a dizer até que chegamos ao liceu e a sensação de dejá-vu começa a dar os primeiros sinais. Na escola, como adultos temos a professora, Ms. Norbury (Tina Fey), e o director, Duvall (Tim Meadows), ambos repetentes do filme original, e um surpreendente Jon Hamm distante da sua persona habitual. Neste momento ainda estou convencido da relevância desta nova produção mas é sol de pouca dura.
Talvez o maior erro seja estar familiar com o filme original mas a sensação de repetição de piadas, situações e mesmo certas falas começa a tornar-se demasiado evidente, e confirma-se o sentimento de dejá-vu a instalar-se. Existem “Oasis” no meio deste deserto de ideias como os momentos musicais que aliviam essa sensação de imitação, alguns são verdadeiramente impressionantes como uma paródia a disfarces de Halloween chamada Sexy e o magnum opus do musical da Broadway: World Burn, o momento wow do filme e a introdução perfeita para a Regina George de Reneé Rapp, com um range vocal extraordinário e um carisma reminiscente de Rachel McAdams. Angourie Rice, por outro lado, não é Lindsay Lohan e o argumento precisa de “diminuir” a personagem de Regina Jones (Reneé Rapp), perto do final, para que o espectador passe para o seu lado. Todos os novos actores secundários estão a um bom nível tanto vocal como na recriação das personagens da história mas os destaques terão de ser para a “plástica” Avantika, no papel de Karen, onde noto um maior trabalho de se distanciar da personagem original de Amanda Seyfried e para a “Art Freak”, Auli’i Cravalho, como Janis, ao incluir na sua personagem os nossos anos de evolução, desde o original, sobre a representação e inclusividade na comunidade queer, também repartido com Jaquel Spivey no papel de Damian. Este Mérito terá de ser repartido com Tina Fey que ao menos, neste aspecto, actualiza para os tempos modernos. Não pedia a reinvenção da roda, no restante argumento, mas manter grandes sequências e diálogos, sem mudar uma vírgula, parece-me descuidado para não dizer pior.
Fala-se muito do foco na diversidade e representação no cinema e esta é uma questão cada vez mais relevante e de grande importância, principalmente nestas comédias dirigidas a um público adolescente. Vermos, em criança, alguém que se assemelha connosco, no grande ecrã, e com um papel relevante na história ao invés de um mero “acessório” ou como punchline de uma piada de mau gosto, é algo cada vez mais necessário. Felizmente, bastantes momentos, que envelheceram mal com o tempo, desapareceram sem deixar rasto nesta nova versão.
Quando a história está num crescendo de tensão, risco, e num filme de vingança cada vez mais negro, carrega no travão (bem a fundo), tornando-se segura e o sentimento de dejá-vu toma conta de nós. Ficamos apenas com uma promessa do que poderia ter sido, alguns momentos musicais impressionantes, uma estrela em clara ascensão – Reneé Rapp e um sentimento de tempo desperdiçado persistindo na nossa cabeça.
Ps: Se não viste o filme original então acrescenta 1 estrela a esta classificação. Vai ser uma viagem divertida.