Mulheres, Terra, Revolução, um documentário de autoria da investigadora Rita Calvário e da historiadora Cecília Honório, retrata aquela que é possivelmente a época mais estudada e falada da história portuguesa, o 25 de abril de ’74, conseguindo, no entanto, contribuir para esse já saturado panorama com um ângulo inédito e necessário. Adota, portanto, a perspetiva das trabalhadoras agrícolas, explorando e enaltecendo o seu papel nas lutas pelos direitos laborais nos momentos antes, durante e após a revolução, nomeadamente os últimos anos do Estado Novo e o Processo Revolucionário em Curso (PREC).
Sendo, na sua essência, um conjunto de entrevistas, pontuado por algumas imagens de arquivo e recortes de imprensa, é um documentário que vive muito dos testemunhos das suas protagonistas. São mulheres de várias idades, trabalhadoras, membros de cooperativas, dirigentes, historiadoras e jornalistas, na sua maioria com vivências diretas daquele momento histórico, que falam sem pudor sobre as dificuldades que sentiram e as lutas e conquistas que impulsionaram.
A própria existência do documentário e a voz que o mesmo confere a estas pessoas é, só por si, um ato de resistência notável. Sente-se, no empenho e disponibilidade das entrevistadas, a vontade que tinham de contar a sua história, que havia sido, até à data, desvalorizada e invisibilizada.
Para o efeito, Mulheres, Terra, Revolução começa por se focar nas reivindicações por condições dignas de trabalho, ainda na década de ’60, com as protagonistas a recordar o papel das suas mães em greves e protestos. São as memórias de infâncias presas pelos grilhões da pobreza que dão azo aos momentos mais emotivos do filme e pintam um retrato de uma precariedade violenta, em grande parte carregada pelas mulheres, que para além de trabalhadoras, eram também mães e donas de casa. Este contexto torna os relatos que se seguem, do fim do fascismo e da introdução do sistema das cooperativas agrícolas, ainda mais jubilosos de acompanhar. As mulheres descrevem, com um brilho nos olhos e sorriso rasgado, as suas aventuras em direção a comícios na capital, e o alívio proveniente do trabalho, comida e salários garantidos.
Numa segunda parte, já com os direitos laborais assegurados, o filme aponta a sua lente para a persistente desigualdade entre homens e mulheres dentro da mesma classe. Os vários testemunhos descrevem uma realidade que ainda reverbera nos dias de hoje, o que apenas evidencia a importância de documentários como este, que centralizem as vozes, experiências e olhares femininos. Faz, também, uma conexão fundamental entre o aumento do tempo de repouso (um pilar das lutas laborais e de género até à atualidade) e a auto-realização destas mulheres enquanto cidadãs e agentes políticas. Com mais tempo para refletir, pensar, e se organizar, estas trabalhadoras começaram a reivindicar um lugar ativo nas discussões, em pé de igualdade com os homens, ao mesmo tempo que passam a valorizar muito mais o seu próprio esforço no campo e em casa. Pela primeira vez, estas mulheres sentiam-se no direito e, quase, no dever de procurar e desejar a felicidade, o prazer, o lazer e a liberdade.
Repleto de análises e considerações históricas, sociais e políticas desconcertantes e reveladoras, assim como de momentos de alegria desinibida e contagiante, Mulheres, Terra, Revolução é um documentário de visualização essencial que evidencia o poder da memória e do registo no combate ao esquecimento e à desvalorização.