Crítica | All of You (2025)

Quem é que está desejoso de derramar umas lágrimas, pois sente que já passou tempo suficiente desde Materialists (2025)? Pois bem, aqui está a oportunidade para o fazermos, porque esta primeira produção cinemática de Brett Goldstein espreme tanto os nossos corações que nos deixa com apenas duas escolhas: ou nos deixamos quebrar pelas reviravoltas do enredo, ou desistimos das personagens e escrevemos uma carta aos autores para nos devolverem a esperança no amor.

Uns anos no futuro, cientistas descobriram a fórmula que determina qual a nossa alma gémea, e como é lógico um negócio foi criado a partir dessa descoberta. Laura (Imogen Poots) recebe como presente do seu melhor amigo, Simon (Goldstein), um teste de alma gémea. O resultado provoca um efeito borboleta na sua amizade e marca um antes e depois nas suas vidas.

Que Ted Lasso (2020-) tem muito coração para lá das piadas já nós sabíamos, que Shrinking (2023-) revela algum interesse pela psicologia humana, sem descurar do sentido de humor, é bem claro para quem conhece a série. Agora, que Goldstein tinha uma mente tão distorcida ao ponto de escrever o conteúdo de All of You é novidade. O humorista, actor, escritor e produtor britânico juntou ideias com William Bridges para voltar ao tema de almas gémeas (Goldstein é produtor executivo da série Soulmates de 2020), partindo de uma premissa bastante comum dentro do tema. O que diferencia esta história é o uso que se dá à base narrativa de “cientistas conseguem dizer-te qual é a pessoa perfeita para ti, destinada para ti, quer tenha 88 anos e esteja no Kuwait, quer tenha 21 anos e more na rua ao lado”, e nesse aspecto a longa-metragem realizada por William Bridges é inteligente porque rapidamente deixa de focar nesse lado de ficção científica. Inclui pormenores como acessórios e viaturas para cimentar a ideia de que estamos numa realidade ligeiramente futurista, contudo, a partir daí aponta o laser para os dilemas mundanos e humanos de sempre, independentemente da época que está em plano de fundo. Amizade, princípios, amor, desejo e a embrulhada que a acumulação de dias pode ser se negarmos o que sentimos, contrariarmos os nossos instintos e seguirmos simplesmente a norma mesmo que não estejamos de todo certos que fazemos parte da norma, são tudo assuntos a debater neste filme da Apple TV+.

A primeira metade do filme serve para ganharmos empatia e simpatia pelos dois amigos, algo que é alcançado com sucesso. A química entre ambos é palpável e coloca a bitola bem alta, vencendo sempre quando comparado com cenas de qualquer um dos amigos com qualquer outra personagem. Imogen Poots é perfeita no papel de uma mulher que vê crescer em si a frustração pelo facto de não ter encontrado a felicidade ao conhecer a sua alma gémea. A confrontação com a crua realidade que a solução para calar as vozes que nos atormentam não está nos outros, está em nós e no trabalho diário que precisamos fazer para aprendermos a lidar connosco e com as nossas idiossincrasias, está bem patente na interpretação de Poots. As expectativas dilaceradas podem moldar a nossa personalidade e contaminar os dias que se transformam em anos.

Brett Goldstein sai da sua zona de conforto como actor e cava bem mais fundo do que alguma vez tinha feito para um papel. Apesar de manter a sua fisicalidade, registo humorístico e cadência de voz, emocionalmente navega por mares agitados, sem nunca afundar ou entrar em pânico. Ele é a grande âncora que nos agarra à trama, inevitavelmente conquistando-nos com o seu amor platónico. Aquando do último acto em que as acções de ambos se tornam mais censuráveis, já adquirimos uma empatia particular por Simon, deixando-nos numa posição desconfortável de no fundo estarmos a alimentar no nosso desejo algo que sabemos ser moralmente errado ou no mínimo mais complexo do que seria de esperar para quem está no lugar de espectador de um filme.

O argumento pode tornar-se no ponto mais forte e no ponto menos forte deste filme consoante a perspectiva. Por um lado, a sua imprevisibilidade é refrescante e bem-vinda no género de romance, por outro lado, as decisões imprevisíveis tomadas pelos protagonistas são tão discutíveis que podem fazer-nos recuar no investimento de energia que estávamos a aplicar na dupla até esses momentos. Por um prisma os desenvolvimentos da história não nos são servidos numa bandeja dourada em que só temos que abrir a mão para os agarrar, a progressão da narrativa requer a nossa atenção para não perdermos o seu fio condutor, o que é agradável e eficaz na hercúlea tarefa de nos afastar dos telemóveis e outros estímulos no decorrer de um filme de streaming, mas por outro prisma, a natureza mais subtil no acumular de novas informações sobre as personagens pode deixar-nos mais confusos e menos seguros sobre o que está a acontecer na história.

Não é um drama/romance fácil de ver, por momentos parece ter uma duração superior à que efectivamente tem (98 minutos), não se devendo isso ao facto de ser mais arrastado ou aborrecido, mas pelo peso psicológico que representa. Nesse sentido, tem um inegável mérito de não ser esquecível ou vulgar, no entanto, fica no ar se não existiam outras opções que fizessem de All of You uma experiência menos sombria.

3.5/5

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