Leonel Menaia

Joshua Oppenheimer chegou ao estrelato devido aos seus dois altamente aclamados documentários, The Act of Killing (2012) e The Look of Silence (2014), obras que exploram o genocídio indonésio de comunistas de 1965–66 através de perspetivas opostas e complementares. Em The Act of Killing, Oppenheimer confronta os perpetradores, permitindo-lhes reencenar os seus próprios crimes como se fossem cenas de cinema, expondo a banalidade e a perversão do poder. Já em The Look of Silence, o foco recai sobre as vítimas e o trauma coletivo, seguindo um homem que enfrenta, em silêncio e com contenção, os assassinos do irmão. Juntas, estas obras formam um díptico devastador sobre a memória, a culpa e a forma como o cinema pode servir como instrumento de consolidação da memória coletiva.

Contra todas as expectativas, o terceiro filme de Oppenheimer, The End, apresenta-se como um musical pós-apocaliptico, uma história sobre uma família rica que se isola num bunker vinte anos depois da terra se tornar inabitável devido a uma catástrofe natural. As personagens, sem nome, compõem um pequeno microcosmo fechado: o Pai (Michael Shannon), antigo empresário de petróleo; a Mãe (Tilda Swinton), ex-bailarina; a Amiga da Mãe (Bronagh Gallagher), antiga chefe de cozinha; o Doutor (Lennie James), responsável pela segurança e medicação; o Criado (Tim McInnery); e, por fim, o Filho (George MacKay), nascido já no bunker, sem qualquer conhecimento do mundo exterior.

A família mantém uma rotina rígida, dividida entre simulacros de emergência, exercício na piscina, tarefas de manutenção do abrigo e a decoração do espaço com as obras de arte que a Mãe conseguiu trazer consigo. A figura mais cativante e com quem o espectador mais facilmente se identifica é o Filho, ignorante quanto ao passado e moldado pelos restantes para esquecer o que realmente aconteceu – lembrando filmes como Dogtooth (2009) ou The Enigma of Kaspar Hauser (1974), que abordam como o isolamento e a manipulação alteram a perceção do mundo. Passamos a maior parte do tempo com ele, enquanto constrói uma maquete da história americana e ajuda o Pai a escrever um livro autobiográfico que reinterpreta o seu passado, encobrindo os seus atos criminosos com intenções de filantropia.

Tudo muda quando descobrem uma Rapariga (Moses Ingram) inconsciente nas minas onde vivem. Ela relata a longa jornada que a levou até ali, depois de perder a família ao tentar atravessar um rio. No entanto, é recebida com desconfiança e hostilidade pelo restante grupo, que reforça a sua exclusividade: desde a fundação do bunker, nenhum visitante é permitido. Após escapar a uma tentativa de expulsão e com a ajuda do Filho, a família acaba por ceder e permitir que ela permaneça. A Rapariga torna-se o catalisador da grande viragem da narrativa. Com a sua chegada, surge não só a consciência de que ainda existe um mundo lá fora, mas também o despertar das memórias reprimidas do que aconteceu antes do isolamento. A relação profunda que estabelece com o Filho faz emergir vulnerabilidades há muito suprimidas e leva os restantes membros da família a confrontarem os seus próprios fantasmas. Os momentos musicais, em vez de surgirem como celebrações como nos clássicos do género, funcionam aqui como atos de confissão e confronto, nos quais as personagens se obrigam a encarar as mentiras, a dor e a culpa que durante décadas tentaram ocultar.

As músicas mostram-se mais eficazes quando interpretados pelas personagens de George MacKay e Moses Ingram, curiosamente as figuras mais vulneráveis, e menos pelas restantes. No entanto, as canções em si são pouco inspiradas e raramente contam com uma coreografia ou cinematografia suficientemente elaboradas para as sustentar, surgindo, por vezes, em momentos narrativos pouco oportunos. Como The End se arrasta durante quase duas horas e meia, leva-nos a considerar se seria melhor como um drama convencional, e se cortar estas cenas faria o filme fluir melhor. A verdade é que, quando percebemos o que o filme procura alcançar, tudo se torna previsível e é só uma questão de tempo até as personagens revelarem o que já é dado por adquirido desde o início do filme.

Embora a ambição de Oppenheimer seja louvável, a mudança de formato neste filme é um pouco brusca e forçada, dando a sensação de que tenta calçar um sapato que (ainda) não lhe serve. Ainda assim, a forma como o realizador preserva a sua identidade – explorando a maneira como os seres humanos lidam com a atrocidade através da encenação e da negação – torna esta experiência, no mínimo, interessante e necessária, despertando curiosidade em relação aos seus próximos projetos.

3/5