Gabriela Castanheira

Ghost Cat Anzu, realizado por Yōko Kuno e Nobuhiro Yamashita, e com produção pelos estúdios Shin-Ei Animation e Miyu Productions, parece mais uma entrada no vasto universo da animação japonesa contemporânea. Rapidamente se distingue pelo seu ritmo sereno, desenho minimalista e uma sensibilidade emocional rara. Numa altura em que o mercado é dominado por narrativas ruidosas e visuais saturados, este filme surge como um respiro de doçura e introspeção.

O filme segue Karin (voz de Noa Gotō), uma rapariga que perdeu a mãe há três anos e vive com o pai ausente, atolado em dívidas e em fuga de credores. Sem alternativas, o homem deixa a filha aos cuidados do avô, que vive numa remota aldeia japonesa. É lá que Karin conhece Anzu (voz de Mirai Moriyama), um gato fantasma andrógino, resultado do amor e devoção humanos acumulados ao longo de gerações. O início é conturbado – a jovem, marcada pela culpa e pela ausência paterna, rejeita a presença do gato. Mas, à medida que a história avança, nasce entre ambos uma amizade improvável, feita de empatia, humor e cura emocional.

Visualmente, Ghost Cat Anzu é uma experiência fascinante. A escolha estética de reduzir o detalhe das personagens enquanto o cenário é retratado com realismo impressionista cria um contraste poético: as figuras humanas parecem flutuar num mundo demasiado vasto e belo para compreenderem. Essa decisão reforça o tema central do filme – a fragilidade do ser humano perante a imensidão da vida e da perda. Cada enquadramento parece pintado à mão, evocando o cuidado artesanal de filmes como My Neighbour Totoro (1988) ou The Boy and the Heron (2023), mas com identidade própria, melancólica e contemplativa.

Narrativamente, o filme opta por um ritmo calmo e emocionalmente honesto. Não há grandes explosões, batalhas ou clímax dramáticos; em vez disso, há silêncio, ternura e pequenos gestos. É um filme sobre o tempo e o afeto, sobre o vínculo entre o humano e o não humano – entre o amor eternizado e a mortalidade. Ao longo da narrativa, o gato e a menina descobrem que a eternidade só tem sentido quando partilhada. A dinâmica entre os dois é o coração da proposta, funcionando como metáfora para o processo de luto e reconciliação.

É também uma obra que fala diretamente ao público jovem, sem se subestimar. Crianças e adolescentes que já tenham lidado com a perda de um ente querido encontrarão aqui refúgio emocional seguro, um espaço onde as emoções são reconhecidas e validadas. Ainda assim, o filme nunca se fecha apenas nesse público: adultos verão em Ghost Cat Anzu uma reflexão madura sobre amor incondicional e a efemeridade da vida.

Mesmo sem grandes reviravoltas, a história mantém-se envolvente pela delicadeza da escrita e autenticidade dos sentimentos. O humor é discreto, mas eficaz, e o elenco de personagens secundárias – desde os rapazes da aldeia até aos espíritos que Anzu encontra – contribui para uma sensação de comunidade e partilha.

Ghost Cat Anzu é, no fundo, um conto sobre ligação e permanência, onde o espírito de um gato recorda-nos que o amor nunca desaparece, apenas muda de forma. É um filme que cura em silêncio, mais pela emoção que deixa no ar do que pelas palavras que pronuncia.

4/5