Wuqiao é uma pequena cidade Chinesa famosa pela sua cultura acrobática histórica, cuja reputação foi espalhada pelo país inteiro após a Dinastia Yuan (1271-1368) estabelecer Pequim como a nova capital, prosperando este local vizinho na sua influência de entretenimento. A sua população demonstrou uma habilidade especial nesta área que denominou o espaço como “A Casa das Acrobacias Chinesas”. Esta dedicação ao circo atraiu, durante décadas, diferentes gerações de palhaços, mágicos, acrobatas e domadores de animais que revelam os seus talentos para uma audiência afluente durante o Novo Ano Chinês, rodeado por templos Budistas e esculturas Taoístas, criando a sua própria tradição e realidade.
Lukas Berger realiza esta curta documental que transmite as celebrações circenses de Wuqiao durante a passagem de ano chinesa, com espetáculos e retratos dos artistas durante as suas horas de trabalho e os seus momentos de paz. Um realizador fascinado pelo circo, criando uma filmografia inteiramente dedicada a este género de entretenimento, com curtas-metragens como Circus Debere Berhan (2015) e Circus Movements (2019), ambos localizados na Etiópia. Investido na sua coexistência, aspeto teatral e diversidade de culturas refletidas nas encenações, Berger demonstra performances e fragmentos da realização dos shows e das vidas melancólicas destas pessoas fora das exibições, com uma câmara estática e planos abertos destes artistas a criarem magia através da imaginação, ilusão e realidade, com a lente a acompanhar os mesmos, até à sua solidão.
Não partilho o apelo do realizador por circos; compreendo o fascínio que sente pela sua cultura e as capacidades físicas destas equipas, contudo, estaria a enganar-me e aos leitores se escondesse o meu desgosto e raiva pelo tratamento irresponsável de animais nestes lugares. É um processo penoso de sequer pensar, mas é existente na realidade destes espetáculos e Berger não esconde este aspeto laboral no circo de Wuqiao, dedicando uma cena a uma das atividades deste espaço onde visitantes podem tirar fotografias com um tigre cansado, que aparenta estar à espera de uma pausa para fugir ou “fumar uma pessoa”. Este momento desaparece rapidamente pois o interesse do realizador está na experiência coletiva deste festival, dentro e fora da tenda, usando a câmara como um observador distante que impede intimidade com o grupo e simultaneamente recusa-se a julgamento.
Num ambiente friorento primaveral, as preparações do festival iniciam com ruas vazias, ocupadas somente pelo fumo de um cigarro e por um silêncio matinal que antecipa o exercício diário e noturno destes indivíduos. Instrumentos musicais tocados de formas criativas atraem atenção, e o espaço rapidamente se preenche com uma multidão curiosa em observar estas peculiaridades artísticas, que incluem um homem a subir umas escadas criadas com facas e os típicos jogos manipulados. A edição divide estes momentos de recreação profissional, com as suas pausas isoladas em quartos de aparência desgastada, numa vida solitária e uma existência performativa, dedicada somente a estas atividades festivas, que revela o desinteresse destas pessoas no fogo de artifício, apenas um foco nas tendas que ocupam nos seus ofícios.
Seja qual for a nossa opinião acerca de circos, existe uma melancolia final transmitida nesta curta-metragem documental que afeta a audiência e recorda que para quem vive entre explosões sonoras e físicas, o silêncio é uma essencialidade.